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O Vagos Metal Fest começou o ciclo de antecipação do festival com as honras de receber no RCA uma das bandas pioneiras do hardcore e a responsável por aquele ritmo de bateria que a tua banda preferida de metal usa naquela canção que tu curtes. Parece exagero, mas a influência dos Discharge é tão omnipresente, que não há banda no espectro pesado da música que não tenha, directa ou indirectamente, sido influenciada pelos britânicos. O mais bonito elogio que lhes podemos conceder é que o impacto dos Discharge é maior do que a banda.
Por cá não é preciso procurar esse impacto para lá dos Simbiose para o encontrarmos. Os portugueses, soam tão crus e directos que não seria estranho enquadrá-los nos meandros do power violence. A única objecção seria por tocarem temas com mais de um minuto.
A missão desta sexta afigurava-se complicada. O público pingava a conta gotas na sala de alvalade e mesmo quando se avolumou preferiu manter-se fora da linha da frente. Valham-nos aqueles quatros jovens muito solícitos que quando um dos companheiros subiu a palco surgiram como heróis para fazer o crowdsurf possível. Felizmente, ainda que a ferros, a banda mobilizou uma porção do público e, a medo, lá víamos braços a voar. “Pagaram o bilhete, mas estão tímido,” observou o vocalista, Jonhie, que em tom jocoso voltaria a admoestar o público para que fosse mais expansivo.
Em tom mais sério, seria a homenagem a Bifes, entre outros protagonistas do punk, em “Será que Há Vida Depois da Morte.” Como dizia a faixa que a banda traz consigo, “os bons serão sempre eternos.” É uma pena não voltarmos a fazer uma reportagem à banda que “veio do fundo do caixote do lixo,” mas gostamos de ver que a homenagem continua.
O concerto continuou à velocidade do grindcore, mas o público continuava pouco solicito para mais do que abanar a cabeça. “O pessoal daqui da frente quer é selfies; queres vir cantar esta merda?” perguntava a um dos corajosos que se aproximou das grades. Sentimos que devíamos saber quem era – obviamente, um transeunte anónimo não seria – porque a letra estava decorada e a voz prontíssima para acompanhar os guturais imaculadamente grunhidos em palco. “Palminhas? Sabem bater palminhas?” incitava-se como última tentativa de trazer o público ao espetáculo. Sabiam.
Admitidamente, as nossas preferências punk estão longe das escolhas musicais dos Simbiose, mas sentimos que, pelo esforço, o espetáculo tinha merecido melhor sorte.
Se os Simbiose tinham começado meia-hora depois do início previsto porque o público escasseava, seriam problemas técnicos que demoraria a entrada em palco dos Discharge para o concerto. Enquanto a banda fazia o soundcheck que parecia não acabar, observávamos o painel com uma estátua de um anjo que cobre o rosto com as mãos. Vamos assumir que a banda é fã de Doctor Who e dos Wheeping Angels. Algo nos diz que isso não é verdade, mas gostávamos que fosse.
Só por volta das 23:30 ouviriamos a voz de um anúncio de serviço público que poderia ter vindo do período de umas das guerras mundiais ou da Guerra Fria. A banda ia entrando em palco e ficaria a faltar JJ Janiak para completar o quinteto. Assim que entra, o concerto arranca a todo o gás. O RCA transfigura-se na sua apatia, e o mosh inaugura um tipo de movimentação que chamar só de moche parece pouco.
Infelizmente, ao fim do primeiro tema os problemas de microfone voltam a fazer sentir-se. Há uma pausa para dizer “hellos” até estar tudo resolvido e a solução passaria mesmo por trocar o equipamento.
Siga o concerto? Siga.
Ainda que a massa humana presente no concerto não tivesse sido a mais densa que vimos – como descobriu o primeiro jovem que aventurou um salto para o público para só encontrar chão – a turba violenta fez abanar periclitantemente grades e proteções do PA.
“It’s been a while Portugal,” dizia J.J. das poucas vezes que percebemos as palavras da voz de gravilha com sotaque cerrado. “How many people came out tonight to have a good time? How many of you came out because there is something you believe, something bigger than you?” Seria este o mote para “Protest and Survive” a que o público aderiu com entusiamo.
E agora temos de falar sobre algo chato.
Custa-nos saber ao que se refere a banda quando fala em “algo maior do que nós” e, ainda que o sonho esquerdista tenha várias tonalidades, da social democracia ( eu sei, eu sei, mas dêem-me a abébia) ao socialismo e à anarquia, podemos concordar que esse algo em que acreditamos, em que a banda acredita, não têm espaço para neo-nazis, vulgo, filhos da puta. Mas eles lá estavam. Três idiotas, de cabeça rapada, em tronco nu – porque se passam horas no ginásio, é para se ver – a exibir as tatuagens de cruzes de ferro e a data 1143. São os únicos que vão para o moche e viram as costas ao palco porque o concerto é completamente acessório. Que nunca cantam porque não sabem o nome da banda, quanto mais as letras. Que atiram socos mais ou menos discretos. Que se estão a cagar para quem está por perto e que se abalroarem uma moça que mal deve chegar aos 50 quilos não há problema. E gostávamos de vos dizer que este foi um episódio pontual, mas não. Pelo menos dois deles fazem parte da fauna habitual. A primeira vez que demos por eles, e ainda demos o benefício da dúvida, foi em Comeback Kid. Desde aí, já nos cruzamos com a dupla outras vezes e a atitude repete-se. É estranho que o hardcore tenha no seu cerne mensagens de fraternidade e inclusividade, mas que seja tão monocromático. E é por isto. Porque os filhos da puta não arranjam problemas, mas exibem a sua intolerância, o seu ódio e afastam de espaços como o RCA aqueles que não se sentem seguros com filhos da puta por perto. Desculpem a obscenidade, mas este é o termo certo. Nunca menos. E fica o lembrete: é moralmente correcto socar um nazi.
É difícil aceitar, mas a música não pode mudar o mundo. Quem mais precisaria de interiorizar a mensagem nos temas dos Discharge, não a entende ou não quer saber. Noutro lado escrevi sobre os comentários sexistas num concerto de IDLES. Não os entendi na altura, continuo a não entender. Mas já aceitei que quem mais precisa de entender o que ouve, não o quer fazer e vive bem com isso.
“This one is called ‘Hate Bomb’,” e o concerto continua sem que o ímpeto esmoreça. J.J. movimenta-se em palco com uma agilidade reptiliana e amiúde oferece o microfone aos que sabem aquelas letras de cor. Tudo passou num ápice, como se a compensar pela espera.
“Thank you all for coming out tonight,” agradeciam antes das duas últimas canções. A primeira apresentada assim: “’You Take Part In Creating the System’ and we all must suffer.”
O público saía satisfeito, cansado e suado. A banda também. Fizemos todos parte do sistema, mas não temos que o sofrer sozinhos. Da nossa parte, o que podemos fazer, é denunciá-lo. E um sistema que tolera a intolerância não merece imiscuir-se na subcultura do punk e do hardcore.