Reportagem


Iminente

Parar, olhar e escutar, para pensar, sentir e agir.

Panorâmico de Monsanto

21/09/2018


Depois de duas edições em Oeiras, por sinal muito bem sucedidas, ontem, na chegada ao Panorâmico de Monsanto, pareceu-nos óbvio que: o Iminente encontrou ali a sua casa. O jardim municipal de Oeiras, onde o festival se estreou, oferecia possivelmente um espaço mais amplo, que facilitava a circulação dos transeuntes, e confessamos que sentimos até alguma nostalgia daquela pista de carrinhos de choque convertida em palco e pista de dança, mas existe uma mística especial no abandono do Panorâmico de Monsanto que completa o festival e que o jardim não oferecia.

O betão degradado, os grafites rasurados, a aura decadente de um espaço onde habituam fantasmas de uma era dourada, hoje cristalizada nos murais que ainda conservam algum desse brilho, tudo isto encontra-se enquadrado num dos pontos de observação mais privilegiados da capital: o topo do parque de Monsanto, o pulmão de Lisboa – um choque entre verde e cinzento, natureza e urbano, que só por si é uma verdadeira obra de arte.

Imagine-se agora, este local habitado pelas obras de VhilsWasted Rita± maismenos ±PichiAvo, entre muitos outros (perdoem-nos a omissão dos restantes e acreditem que a lista é tão extensa quanto brilhante), que não deixam ninguém indiferente à sua passagem, e, imagine-se ainda, este espaço povoado por sons urbanos emergentes, que nos chegam de lugares tão distantes como a Síria ou de outros ali tão próximos da capital lisboeta. Arte e música que convidam a parar, olhar e escutar, para pensar, sentir e agir.

Esta ambivalência de culturas e de expressão artística, e este lado intervencionista são, aliás, as valências que mais distinguem o Iminente de todos os outros festivais do panorama nacional. Marielle Franco, seis meses após o seu assassinato, é a figura central de homenagem desta edição, esculpida numa das paredes do Panorâmico de Monsanto pelo cinzel de Vhils, parte do projecto “Brave Walls”, pela defesa dos Direitos Humanos Amnistia Internacional, para que ninguém esqueça que esta é uma luta com um longo caminho ainda a percorrer. Uma mensagem bem presente neste 21 de Setembro, curiosamente o Dia Internacional da Paz, reforçada por muitos dos artistas que passaram ontem pelo festival: esta é “uma luta de afectos, vamos lutar com amor”, foram, por exemplo, palavras de Preto escutadas no seu concerto.

Centrando agora a nossa atenção no lado mais musical do festival, muitos foram os artistas que mereceram destaque neste primeiro dia de Iminente. Um alinhamento generoso e propício àquela típica angústia que aflige qualquer melómano em festival: querer estar em todo o lado ao mesmo tempo, sabendo que tal será impossível. Conan Osiris, responsável por inaugurar o palco principal, actuou, na nossa opinião, demasiado cedo para uma sexta feira ainda de trabalho e aulas para muitos, pelo que só metade da equipa Arte-Factos conseguiu estar presente. As fotos não escondem e os relatos que mais tarde nos chegaram confirmam o que terá sido um dos concertos mais irreverentes neste primeiro dia de festival, de um dos artistas portugueses que neste momento mais opinões divide. Por aqui podemos dizer-vos que adoramos bolos.

Quim Albergaria, Ivo Costa e Riot, três rapazes a quem o ritmo comanda a vida, seguiram-se com o projecto Bateu Matou. Em palco avistavam-se apenas instrumentos de percussão, com que os três construíram ritmos quentes vindos de África e de terras do caribe sobre músicas bem conhecidas, como “Conga” de Gloria Estefan, num enorme baile que sacudiu muitos corpos à nossa volta. Uma festa diferente acontecia no Palco Cave, na cave do Panorâmico de Monsanto: Preto, rodeado de vários amigos (Scúru Fitchádu, Cachupa Psicadélica, entre outros) hoje já algo distante do rap que assinou como Chullage, agora aproxima-se mais das suas raízes africanas, às quais juntou elementos electrónicos, que giram ainda em torno das palavras e de ideias fortes.

Quem nunca viu um concerto de Bonga não sabe o que é a alegria de dançar e cantar clássicos que fazem parte da vida de todos nós. “Lágrima no Canto do Olho”, “Comeram a Fruta”, “Mariquinha”, “Água Rara”, fizeram com que ontem até o mais inapto dançarino se requebrasse em movimentos de anca e descobrisse um angolano dentro de si. Imparável aos seus 76 anos, o “avô” Bonga conserva intacto o seu humor malandro e jovial, e foram várias as interacções com a plateia, sobretudo a feminina, que resultaram em sonoras gargalhadas, verdadeiros momentos de boa disposição e humor. Obrigado Bonga!

O Palco Cave foi demasiado pequeno para Papillon e muitos foram os que ficaram de fora na longa fila à porta. Sorte dos que conseguiram atempadamente lugar para assistir ao concerto do rapper, que tem na nossa opinião um dos discos do ano, no qual partilha até em uma das faixas o nome do festival, no ambiente underground que este palco do Iminente proporciona. Não ficámos até ao final do concerto, a curiosidade em ver Omar Souleyman foi mais forte, mas conseguimos vê-lo ainda, em “Imbecis/Íman” com Slow J, abalar a engenharia dos pilares da cave do Panorâmico.

Omar Souleyman era um dos nomes fortes da noite. O sírio que muitos ainda desconhecem, embora nos últimos anos já tenha passado por vários palcos do nosso país, é um fenómeno de sucesso internacional que continua a surpreender o mundo ocidental. A sua interacção com o público não vai muito mais além de uns comedidos apelos a palmas e braços no ar, e no final despediu-se com um singelo “Thank you, bye bye!”. Não entendemos uma palavra daquilo que nos canta, nem Omar parece entender-nos nós, e o engraçado é que isso não fez a menor diferença para a festa dabke que se viveu. Num dia onde foi possível dançar ao som dos mais diferentes ritmos (no final da noite o Iminente acabaria até por surpreender a todos com o concerto inesperado de Fatboy Slim no topo do Panorâmico), provou-se mais uma vez que poucas coisas são capazes de aproximar povos e culturas, como a música e a arte.

Galeria


(Fotos por Inês Ventura)

sobre o autor

Vera Brito

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