Reportagem


LCD Soundsystem

Os eternos punks da pista de dança

Coliseu dos Recreios

20/06/2018


Não existem despedidas mais longas nem tão efémeras como as dos LCD Soundsystem. Se em 2011, quando a banda se despediu com apoteose no concerto de Madison Square Garden em Nova Iorque, todos acreditaram que era o derradeiro adeus de James Murphy e companhia aos discos e palcos, agora passados sete anos já ninguém acredita que os LCD Soundsystem não regressem em breve com música nova, após estas três noites de júbilo que o Coliseu dos Recreios viveu, as últimas para a digressão de american dream.

O Coliseu não assistia a uma residência febril assim desde o fenómeno Zambujo e Araújo (ainda sem explicação compreensível) de há dois anos atrás. De terça a quinta a incorrigível bola de espelhos nova iorquina transformou a mais bonita sala de espectáculos da capital numa brilhante e suja pista de dança. De repente estávamos de regresso a 2005, Daft Punk em nossa casa e o “everybody makes mistakes” de “Tribulations” a dar-nos aquela chapada na cara, como quem nos diz que a passagem de uma década não tornou ninguém mais sábio.

“oh baby”, tributo a “Dream baby Dream” dos Suicide, a primeira de american dream, abriu também a noite de quarta feira e começou por nos embalar para o enganador sonho americano do qual de repente acordamos, quando a bola de espelhos começa a girar incandescente sobre a plateia. “oh baby”, “call the police”, “tonite”, “how do you sleep?” e “emocional haircut” foram as únicas representantes do último disco dos LCD Soundsystem, numa setlist generosamente repartida por toda a discografia da qual haviam muitas saudades por colmatar.

A synth pop de “I Can Change” que nos recorda onde falharam os anos 80, a electricidade suja de “Daft Punk Is Playing at My House”, a saudade irreparável daqueles que partiram em “Someone Great” (não foi preciso sequer ouvir “black screen” para Bowie estar ali connosco) e a comunhão emocionante em “All My Friends” que encerrou sempre as três noites, são todas elas hinos obrigatórios dos LCD Soundsystem que nem o fã mais eclético recusa ver o vivo, mesmo que isso signifique sacrificar alguma música mais rara. No entanto, ainda não nos perdoámos ter falhado a última noite de concerto que, para além da maratona de 3 horas, ainda abriu com a “Losing My Edge” – escolhas difíceis quando à mesma hora no outro lado da avenida também era possível matar saudades de Sung Tongs dos Animal Collective.

Percebemos agora nesta reportagem que a ideia a que mais recorremos é a de matar saudades, prova de que os LCD Soundsystem mesmo que sempre actuais – american dream foi um dos grandes discos do ano passado – são afinal ícones de uma geração numa década acusada de não ter produzido grandes heróis musicais. A passagem do tempo parece começar a corrigir por fim esta perspectiva.

James Murphy aos seus 48 anos, mesmo não sendo o frontman mais carismático, é capaz de sacudir todos os presentes ali com a simples frase “dreams become true but not because you fucking dreaming them”, minutos antes de “New York, I Love You But You’re Bringing Me Down”, se me permitem o momento mais intenso e sublime da noite. O maior triunfo do punk foi sempre afinal a capacidade de criar desconforto através das fórmulas mais simples. E os LCD Soundsystem continuam a fazê-lo enquanto ao mesmo tempo nos conseguem pôr a dançar, fazendo-nos sentir livres e confiantes, não fossem eles os eternos punks da pista de dança.

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(Fotos por Hugo Rodrigues)

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Vera Brito

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