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Já aqui o dissemos que o melhor hip hop de ontem se fez em português e a língua portuguesa foi a premissa para criação o colectivo Língua Franca, que junta as duas margens do Atlântico, Portugal e Brasil, e que pretende levar a lusofonia novamente à descoberta do mundo. Capicua e Valete do lado de cá, Emicida e Rael do lado de lá, encurtam ainda mais o oceano que nunca foi grande o suficiente para separar as duas nações irmãs. Juntos somos mais fortes e o português irá ligar-nos sempre, mas agora é preciso deixar as velhas glórias no passado e levar a língua que descobriu meio mundo ainda mais longe.
A força dos Língua Franca reside na individualidade de cada rapper do colectivo, que fazem do seu disco homónimo uma amálgama de diferentes estilos de rap muito bem sucedida, aliando a espontaneidade do rap brasileiro, ao rap português mais cerebral.
Em palco o equilíbrio é perfeito, o arranque da noite faz-se ao som de “Génios Invisíveis” com os quatro músicos, mas é quando Valete se lança aos seus versos em “Ela”, que se dá a primeira ovação do concerto. Prova irrefutável, mais uma vez, da extrema admiração pelo rapper lisboeta, dos muitos que por ali se recusam arredar pé para garantir um bom lugar no concerto de Future (algo que se comprovaria ser desnecessário, já que o norte americano esteve longe de lotar a MEO Arena).
Coube também a Valete a melhor intervenção da noite, quando já depois de brilhar com “Fim da Ditadura” e “Rap Consciente”, pede aos músicos uma pausa antes de “Medusa”, música que escreveu com Capicua no último disco da rapper portuense, para explicar o seu contexto. Conta-nos como “Medusa” foi escrita numa altura em que muitos rappers estavam focados em fazer apenas músicas de amor, para encontrar airplay nas rádios portuguesas, e de como essas músicas são “tóxicas”, valorizando a mulher apenas pela beleza exterior. Valete confessa que está à beira de ser pai, provavelmente de uma menina e que quer que “um dia lhe digam que a amam porque ela é determinada, inteligente e corajosa”.
Capicua, Maria Capaz, tem sido sempre voz activa na defesa das mulheres em Portugal, as suas rimas corrosivas, sem paninhos quentes, assaltam-nos com um nó no estômago por cada vez que ouvimos o refrão “por cada vítima acusada e transformada em monstro, em cada casa, cada caso, cada cara e cada corpo, em mais um dedo apontado ao outro, cresce a ira da Medusa que me vês no rosto”.
Emicida e Rael, podem não arrancar o mesmo entusiasmo do público português, que naturalmente tem Capicua e Valete mais perto do coração, mas isso não é travão para os muitos alertas que nos trazem, com o seu rap de consciência mais política, forjado num país cansado de tanta corrupção. “Abre o olho, o mundo não vai bem” repete Emicida muitas vezes. A mensagem é real e bate forte, até para os que, ali hoje por umas horas, escolheram refúgio na música deste mundo virado no avesso.