Reportagem


Madlib e Freddie Gibbs

Gibbs é um MC com flow variado e boa produção e Madlib é uma lenda do hip hop.

Praia Fluvial do Taboão

17/08/2019


© Hugo Lima / Vodafone Paredes de Coura 2019

O duo Madlib e Freddie Gibbs tem muito que se lhe diga. O primeiro passou por cá em formato DJ set em Março e foi, para ser simpático, irregular; prova plena de que os melhores produtores nem sempre dão os melhores DJs. Já o segundo deveria ter passado por cá algures no Primavera Sound de 2016, mas um processo-crime na Áustria cortou-lhe as pernas e só agora o deixou vir rimar para o anfiteatro natural.

Releve-se: esta foi uma escolha muito, mas mesmo muito feliz por parte da organização. Trouxe variedade a um cartaz já de si relativamente amplo e os nomes em si são de topo do género. Gibbs é um MC com flow variado e boa produção e Madlib é uma lenda do hip hop. No comparativo, é uma confirmação semelhante à de Rahzel e Mike Patton em 2004.

O primeiro ponto da ordem de trabalhos, inserido por Freddie Gibbs foi o de colocar toda a gente a berrar “FUCK POOOOLICE!”. Se o começo foi abrupto, rapidamente os samples de Madlib na intro em Obrigado encarrilaram a coisa – Gibbs confessa-se muito pedrado e bêbado e agradece antes de começar a actuar à séria. O público já nem queria saber e gritava o seu nome, qual claque.

Bandana (2019, RCA), segundo LP de colaboração da dupla MadGibbs, contém uma Crime Pays que constitui o segundo ponto da ordem de trabalhos: o pendor meio autobiográfico das rimas de Gibbs, poeta de rua do Indiana, estado do esquecido Midwest. Estes crimes compensaram, pelo menosTerceiro e último ponto da ordem de trabalhos: “FAÇAM BARULHOOOOO!”

O anfiteatro natural está bem cheio e fiel ao que vê em palco, com um pequeno mosh pit (só podia, porque Coura) nas malhas mais a pender para o trap e para o hardcore rap. Gibbs nota-o e faz a melhor comparação do festival: “porra, pá, que isto é tão grande que parece o Super Bowl!”

E continua, visivelmente em brasa com todo o ambiente: “Pá, devia ter vindo em 2016 mas só agora pude vir por causa de umas merdas c’a lei. Já estamos quase em 2020, já cá estou e siga lá dar tudo. FUCK POOOOLICE!”. E deu-se tudo, incluindo em belíssimos freestyles de Gibbs de copo de vinho na mão e Madlib com um canhão atirado do público em que o primeiro nem pegou porque “não sou cá de consumir essas merdas” (diz o gajo que entrou em palco de ganza na mão).

A excursão por Bandana vai avançando, incluindo Situations e Giannis – esta sem Anderson Paak. O que falta em exactidão na execução – entenda-se Gibbs não abrandar e parar quieto – sobra em fúria de rimar, sempre com Madlib na maior descontracção, garantindo que temos material para bater o pé e aeróbica de pescoço.

E há tempo para rir (para além dos sorrisos que um bom concerto costuma provocar), quando alguém atira uma peruca tipo Valderrama para o palco, que acaba na cabeça de Madlib; se este já se fazia ouvir pela magia que lhe ia saindo da mesa, agora deixa de ser o Unseen (piada fácil, admitimos).

Gibbs dá-lhe forte em mais um freestyle, enche a taça de vinho e confessa o ânimo, dizendo “tanto tempo para cá vir. Eu que me foda e uma salva de palmas para vocês”. Acto contínuo, provavelmente por achar que a malta do pit se estava a divertir demasiado, desce até às grades para voltar a palco  e admitir que o público é demasiado maluco da cabeça. Culpa vossa, pá.

Um clássico da dupla, Thuggin’ (de Piñata), contou com a colaboração do público na palavra do título, bem cumprida porque Coura people magic people ou lá como dizia Álvaro Costa há dez anos nos tempos dos Bons Rapazes. Fim de espectáculo anunciado, mas Gibbs não queria sair de palco e voltava a correr para o meio da acção, enquanto Madlib e seus cachuchos gigantes botava que tinha em mais umas beats. Mas acabou mesmo e foi um concerto essencial desta edição.


sobre o autor

José V. Raposo

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