Reportagem


Marilyn Manson

Um coma branco

Campo Pequeno

27/06/2018


© Nuno Conceição

As nossas desculpas por nos intrometermos na vossa timeline cheia de fotos de apoio à selecção e selfies do Rock in Rio, mas houve concerto de Marilyn Manson em Portugal no passado dia 27 no Campo Pequeno e temos que falar sobre isso.

E sim, o entusiasmo do primeiro parágrafo é palpável. Vamos tentar explicar porque é que está mais ou menos alinhado com o próprio concerto.

Amazonica: Uma Sia mais nova e metaleira em formato DJ. Fez a primeira parte do certame com um set de meia hora. Querem saber mais? É que mais ninguém quis. Oi, calma, há Nirvana a passar agora e há pessoas a baterem palmas com a Smells Like Teen Spirit. Se o remix não estragar o refrão isto ainda ganha ímpeto. Lá vem ele. Está quase. É agora…

Estragou.

É que não é difícil, mas todos os remixes da Smells Like Teen Spirit insistem na mesma subversão de expectativa quando chega o refrão. Não resulta.

Resumo: Um set que não se distinguia muito dos 30 minutos de música sem parar da Best Fm, mas sem deixar desfrutar de uma música até ao fim. O silêncio era constrangedor, a luz natural das 20.30 que entrava pela clarabóia nem fez o momento parecer um concerto legítimo e o público – que continuava a encher as bancadas a conta gotas – não estava para aí virado. Foi “não bom “ para toda a gente.

E – spoilers – “não bom” vai ser o motif desta reportagem.

Da turma de projectos que transitou dos anos 90 para um sucesso maior nos anos 2000, Marilyn Manson é dos poucos que mantém uma relevância que não é só fruto de nostalgia. Claro que o shock value se perdeu ao longo das décadas, mas as canções da banda sempre disseram mais qualquer coisa de profundo do que a roupagem que vestiam. O que torna tudo muito triste, porque ainda o ano passado falávamos de como os Papa Roach parecem deslocados no tempo, mas ao vivo parecem adolescentes esforçados.  Manson é o oposto. A banda encosta-se à sombra dos temas e vem picar o ponto.

Irresponsible Hate Anthem revela-nos a primeira cruz que este concerto carregaria: o som. Há más misturas, há desníveis e depois há o talento especial que é preciso para nos deixarem a pensar se isto não seria melhor na Altice Arena. O que se ouvia bem, no entanto, era o microfone arremessado ao chão enquanto nos fazia pensar se um fuzível teria rebentado.

“I missed you,” terminava Marilyn Manson. “Let’s get down to business.” Daqui para a frente qualquer citação deverá ser lida com uma colher de sal porque é impossível ter a certeza do que o vocalista dizia ao microfone. Não que tenha sido uma noite em que Manson estivesse particularmente comunicativo, “You are the loudest fucking crowd,” foi dos poucos elogios para lá das declarações de amor da praxe. O público talvez merecesse melhor porque deu mais do que recebeu. Houve quem tentasse fazer a festa sozinha com moshes e crowdsurfs; eram sempre as mesmas pessoas e não contagiaram mais ninguém, mas pagaram bilhete para se divertir e conseguiram-no.

Em palco, há que dizê-lo, os temas revelavam-se impecáveis há passagem do tempo. mOBSCENE, continua perenemente jovem assim como Disposable Teens e a banda parece não acusar a idade enquanto as toca. O problema é que não há boa colheita de temas que resista à falta de ímpeto.

Segunda cruz: Quando nos começou a parecer que a banda parava sempre entre temas por sabe-se lá que razões (não foram só mudanças de vestuário), puxámos do telemóvel e começámos o cronómetro. Um minuto e quarenta foi o que esperámos para ouvir The Dope Show. Noutros termos: dava para os Reality Slap tocarem um concerto inteiro durante os intervalos do alinhamento de Marilyn Manson.

Se calhar há uma justificação que nos escapa, mas seja qual for não vai retroactivamente mudar as caras de enfado que nos rodeavam. Valeu assim tanto a pena ver o Manson em palco com um fato que nos fazia lembrar o Howl, do Castelo Andante do Miyazaki, a meio da transformação em andorinhão? “Faz parte do espéctaculo.” Mas qual espetáculo? Não havia uma história a contar, não havia uma cenografia; era um fato diferente por ser um fato diferente. Porque se fizer sentido para o conceito do espectáculo, se for mais um símbolo para transmitir uma mensagem, tudo bem. Mas se estás só a correr cabides és a minha ex-namorada a experimentar roupa na Zara.

Já li online algumas reportagens que incluem “encores” no alinhamento. Como? Como é que podem saber a diferença?

E vamos saltar para a terceira e derradeira cruz antes de terminarmos com algo positivo. Que era exactamente como o concerto devia ter terminado.

Beautiful People, conhecem? Claro, toda a gente e o cão conhece. Coma White? Nem por isso. Como é que é esta última que termina o concerto depois do público esgotar os pulmões com a primeira? Foi tão estranho que no fim a maior parte do Campo Pequeno não tinha percebido que o concerto tinha terminado. Não houve pedidos para encore até as luzes acenderem porque ninguém assumiu que a última canção que ouviram seria um momento tão tépido.

Rematemos então com um elogio. A versão pré-adolescente de mim gostaria de viver para sempre naquela Sweet Dreams. Foi emocional, o público estava em modo #dartudo e Manson tem o alcance vocal para cantar aqueles versos de todas as formas possíveis. E é isto.

Foi um concerto bom? Não. O que não é o mesmo que dizer que, se gostaste, estás errado. Isoladamente, todos os temas estavam – fora os problemas de som – prestinos. Aliás, se um dia misturarem todas estas faixas e lançarem um álbum ao vivo, nem dá para perceber que não foi óptimo. Mas um concerto é mais do que isso. E não, não chega pôr moças em palco escolhidas a dedo durante a Kill4Me para distribuírem beijos sáficos e mamas. Até porque a escassos dias das acusações feitas ao Maynard James Keenan eu não quero realmente ter que pensar na cultura misógena e pervasiva destes “rock stars” que acham que se a fã disser que sim então não as estão a instrumentalizar.

Respira.

O tldr: O Marilyn Manson de 2018 tem é que agradecer ao Marilyn Manson de 1996 por ter escrito canções que quase carregam um espectáculo sozinhas.


sobre o autor

Jorge De Almeida

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