Reportagem


Marlon Williams

Pode ser tudo aquilo que ele quiser

Lisboa ao Vivo

17/11/2018


Marlon Williams podia ser apenas mais um cantor crooner a dilacerar-nos o peito com as suas canções sofridas de amor, como podia ser só mais um cantor folk de histórias saídas do seu imaginário de rapazes loiros amaldiçoados e vampiros à solta. Marlon Williams podia ser somente um sedutor capaz de arrancar suspiros com os seus movimentos esguios e ondulantes, ou alguém capaz de nos emocionar apenas com a pureza da sua voz e a certeza no seu olhar. Foram tantas as facetas que lhe descobrimos, no concerto que deu no Lisboa ao Vivo, para as quais os seus discos não nos tinham preparado, que a única certeza que temos é que Marlon Williams pode ser tudo aquilo que ele quiser.

A sua figura alta e delgada, quase frágil, prende-nos o olhar. A sua expressão é diferente a cada instante e até a forma como se apresenta, embora discreta, tem uma combinação invulgar: um misto de alguém saído do Grease e de um vídeo clip dos anos 80, meia branca à Travolta e brinco cintilante à George Michael. Detalhes que complementam a figura de palco, no entanto supérfluos à luz daquilo de que a sua voz e interpretação são capazes.

Quando ao piano arranca com os primeiros versos de “Beautiful Dress” sabemos que dali já não iremos sair os mesmos. “The Fire of Love”, “Can I Call You” e “I’m Lost Without You” são três facadas seguidas no peito, as duas primeiras de Make Way For Love, um dos mais belos breakup álbuns de que temos memória recentemente e que de forma egoísta agradecemos a Aldous Harding: “What am I going to do when you’re in trouble/ And you don’t call out for me?/ What am I going to do when I can see that you’ve been crying/ And you don’t want no help from me?/ Baby, I can’t separate us out anymore” deve ser uma das estrofes mais bonitas de sempre que alguém já dedicou a um ex-amor.

 

Marlon Williams

A noite fria com o céu a desabar lá fora, com a anunciada chuva finalmente a chegar, fez-se de muitas emoções que não só a melancolia. “What’s Chasing You” colocou toda a gente a dançar com o seu ritmo ligeiro. “Dark Child” com a explosão no final da guitarra de Dave quase que nos arrancava um headbanging. A pedido do público, “Party Boy” fez, se esquecermos a letra, justiça ao nome e rebentou com uma das cordas da guitarra do neo zelandês. “Vampire Again” trouxe-nos um Marlon Williams atrevido, como ainda não o tínhamos visto, lascivo de microfone em punho, ondulando sob uma luz vermelha que espalhou ondas de calor – Josh Homme e Father John Misty encontraram um novo adversário no menear de anca pecaminoso.

Mas o momento que nos siderou a todos chegou no encore. Sozinho com a guitarra, a sua interpretação para “When I Was a Young Girl” foi de uma perfeição imaculada e percebemos agora a comparação que lhe é feita ao fado. “Don’t send for the preacher to come and pray over me/ Don’t send for the doctor, he won’t bind my wounds/ My poor heart is aching, sad heart is breaking/ My body’s salvating and I know I must die” – tudo isto foi triste, tudo isto foi fado.

Do fado para o blues a distância é mais curta do que parece e “Portrait of a Man” foi a interpretação mais corajosa da noite – a despedida perfeita. Já aqui elogiámos bastante a voz de Marlon Williams, ainda assim qualquer cantor, mesmo um dos melhores, que se decida atirar a uma música de Screamin’ Jay Hawkins tem de ser um pouco louco. Talvez seja este o seu segredo, Marlon Williams não tem receio de se experimentar e reinventar, a sua musicalidade flui como um rio cheio de afluentes, feito tanto de rápidos agitados como de águas calmas. Até onde ele pode chegar ninguém sabe.

Galeria


(Fotos por Inês Ventura)

sobre o autor

Vera Brito

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