//pagead2.googlesyndication.com/pagead/js/adsbygoogle.js
(adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({});
Marlon Williams podia ser apenas mais um cantor crooner a dilacerar-nos o peito com as suas canções sofridas de amor, como podia ser só mais um cantor folk de histórias saídas do seu imaginário de rapazes loiros amaldiçoados e vampiros à solta. Marlon Williams podia ser somente um sedutor capaz de arrancar suspiros com os seus movimentos esguios e ondulantes, ou alguém capaz de nos emocionar apenas com a pureza da sua voz e a certeza no seu olhar. Foram tantas as facetas que lhe descobrimos, no concerto que deu no Lisboa ao Vivo, para as quais os seus discos não nos tinham preparado, que a única certeza que temos é que Marlon Williams pode ser tudo aquilo que ele quiser.
A sua figura alta e delgada, quase frágil, prende-nos o olhar. A sua expressão é diferente a cada instante e até a forma como se apresenta, embora discreta, tem uma combinação invulgar: um misto de alguém saído do Grease e de um vídeo clip dos anos 80, meia branca à Travolta e brinco cintilante à George Michael. Detalhes que complementam a figura de palco, no entanto supérfluos à luz daquilo de que a sua voz e interpretação são capazes.
Quando ao piano arranca com os primeiros versos de “Beautiful Dress” sabemos que dali já não iremos sair os mesmos. “The Fire of Love”, “Can I Call You” e “I’m Lost Without You” são três facadas seguidas no peito, as duas primeiras de Make Way For Love, um dos mais belos breakup álbuns de que temos memória recentemente e que de forma egoísta agradecemos a Aldous Harding: “What am I going to do when you’re in trouble/ And you don’t call out for me?/ What am I going to do when I can see that you’ve been crying/ And you don’t want no help from me?/ Baby, I can’t separate us out anymore” deve ser uma das estrofes mais bonitas de sempre que alguém já dedicou a um ex-amor.
A noite fria com o céu a desabar lá fora, com a anunciada chuva finalmente a chegar, fez-se de muitas emoções que não só a melancolia. “What’s Chasing You” colocou toda a gente a dançar com o seu ritmo ligeiro. “Dark Child” com a explosão no final da guitarra de Dave quase que nos arrancava um headbanging. A pedido do público, “Party Boy” fez, se esquecermos a letra, justiça ao nome e rebentou com uma das cordas da guitarra do neo zelandês. “Vampire Again” trouxe-nos um Marlon Williams atrevido, como ainda não o tínhamos visto, lascivo de microfone em punho, ondulando sob uma luz vermelha que espalhou ondas de calor – Josh Homme e Father John Misty encontraram um novo adversário no menear de anca pecaminoso.
Mas o momento que nos siderou a todos chegou no encore. Sozinho com a guitarra, a sua interpretação para “When I Was a Young Girl” foi de uma perfeição imaculada e percebemos agora a comparação que lhe é feita ao fado. “Don’t send for the preacher to come and pray over me/ Don’t send for the doctor, he won’t bind my wounds/ My poor heart is aching, sad heart is breaking/ My body’s salvating and I know I must die” – tudo isto foi triste, tudo isto foi fado.
Do fado para o blues a distância é mais curta do que parece e “Portrait of a Man” foi a interpretação mais corajosa da noite – a despedida perfeita. Já aqui elogiámos bastante a voz de Marlon Williams, ainda assim qualquer cantor, mesmo um dos melhores, que se decida atirar a uma música de Screamin’ Jay Hawkins tem de ser um pouco louco. Talvez seja este o seu segredo, Marlon Williams não tem receio de se experimentar e reinventar, a sua musicalidade flui como um rio cheio de afluentes, feito tanto de rápidos agitados como de águas calmas. Até onde ele pode chegar ninguém sabe.