Reportagem


Mastodon + Kvelertak + Mutoid Man

Imperadores da Areia e acompanhantes de luxo

Sala Tejo

17/02/2019


A recta final de uma “longa e fria digressão europeia”, palavras de Brainn Dailor, trouxe os Mastodon à Sala Tejo da Altice Arena para o derradeiro concerto de “Emperor Of Sand”. Dois anos depois da última passagem por Portugal, os norte-americanos voltaram escoltados pelos Mutoid Man e Kvelertak.

Sobre as bandas de abertura, sentimo-nos na obrigação de fazer um mea culpa e confessar o nosso revirar de olhos quando percebemos que haveria duas horas de “não-Mastodon” para ouvir. Nós -vulgo, eu que escrevo – somos o que na gíria se chama perfeitos idiotas.

Os Mutoid Man são um power trio de thrash que convida demasiado a comparação ao denominador comum do género para não a fazermos. Em particular, quando ouvimos a voz de Stephen Brodsky, é impossível não nos lembramos de James Hetfield, circa 1988, mas com agudos bem mais controlados e cuja naturalidade provocam inveja. Tocam à velocidade dos Motorhead, com Chris Maggio, a substituir Ben Koller, encarregado de manter a engrenagem desta locomotiva e Nick Cageo, qual metrónomo cabeludo, a garantir que nada fugia de tempo.

A sala ainda estava a compactar-se, quando voaram os primeiros agradecimentos aos que chegaram cedo para ver a banda de Brooklyn. Aliás, o tema da noite seria este: agradecimentos galore. Para as outras bandas, para os técnicos – principalmente para estes – e para o público; ser este o último concerto da digressão assim o justificou. Destacamos a descrições concisas e na muche de Brodsky para as bandas que lhe seguiam: Kvelertak, “so many guitars- onomatopeias de guitarras eléctricas – so much speed”. Mastodon, “so many notes, so many drumfills”. Perguntamos: E está errado?

O concerto começou com um sound check de improviso e aos apalpões que não fez favores nenhuns ao primeiro tema, mas por altura da primeira canção de amor já todos os obstáculos técnicos tinham sido ultrapassados. Só faltava mesmo encontrar o nosso parceiro e, à laia da sugestão da banda “agarrá-lo pelo pescoço”. No fim, a banda residente do programa “Two Minutes To Late Night” já tinha a Sala Tejo convencida.

Mutoid Man

Mutoid Man

Chegava a hora dos Kvelertak entrarem em palco. Há data em que esta reportagem sair, já outras terão sido publicadas e, se houver justiça no mundo, tecido rasgados elogios à banda norueguesa. Algumas podem até ir tão longe ao ponto de afirmarem que foi deles o concerto da noite. Nenhuma dessas reportagens estará errada. Se os Kvelertak deram um concerto tão bom como o de Mastodon é um debate para nunca terminar, mas juramos a pés juntos que no dia em que qualquer cabeça de cartaz num certame que inclua Kvelertak se deixar dormir na baliza, os noruegueses dão os proverbiais 15 a zero a qualquer banda. São demasiados e demasiado bons naquilo que fazem para conseguirem dar um concerto mau mesmo que tentem.

Quando um dos três guitarristas surge isolado em palco e preludia o concerto com o riff à la hard-rock dos anos 80 ocorre-nos comentar que soa tão icónico como qualquer coisa que os Guns N’ Roses tenham feito. Sentimo-nos ligeiramente básicos pela comparação, mas durou pouco tempo. Quando Ivae Nikolaisen, a mais recente aquisição, brota do escuro de casaco de cabedal tamanho S, cabelos compridos e uma bandana vermelha na cabeça, a alusão à banda de Axl Rose pareceu-nos, afinal, apta.

O som é mais heavy metal e a acção mais frenética. O vocalista iria a banhos de multidão uma mão cheia de vezes e regressaria a rastejar ao palco; enquanto um guitarrista dava o seu melhor para colecionar uma concussão à força do head banging, mal tínhamos tempo para ver uma guitarra aterrar de um vôo de três metros no ar nas mãos capazes de outro louco. Se o conceito de irrequietude se transformasse numa banda a cantar em norueguês aqui teríamos. A sonoridade seria algo do hard-rock dos anos 80, mais Def Leppard que Guns N’ Roses se quisermos ser precisos, e o black metal das paragens escandinavas.

Saem de Portugal com mais fãs do que se calhar estariam à espera. Sabemos que uma banda está a fazer algo certo em palco quando canta numa língua que 99% do público não entende e ainda assim este tenta participar da festa com as vocalizações possíveis. Numa nota relacionada: amigos das promotoras, estes tipos têm que vir cá para encher um coliseu e terem a rédea solta que só um concerto em nome próprio dá.

O tl’dr: Kvelertak é muito bom; contem aos vossos amigos.

Kvelertak

Kvelertak

Bem, falta babar – perdão – analisar objectivamente o concerto dos tipos que nos fizeram estar a um frio domingo à noite no Parque das Nações. O consenso é que dois anos depois da última passagem por Portugal, os Mastodon voltaram rejuvenescidos e com mais energia e atitude. A mais batida das críticas que se aponta aos Mastodon, de que já estão geriátricos, é, para os que viram o mesmo que nós, um dialeto estrangeiro que não faz nenhum sentido. Não é que não nos demos conta de que já lá vão dez anos desde Crack The Sky, álbum que os catapultou para a consciência mainstream, mas é mais seguro dizer que a discografia que burilaram desde então dá força e variedade aos espetáculos ao vivo. Se o concerto começou de forma similar ao de Mutoid Man, com ajustes ao som, ao quinto tema o som atinge ponto rebuçado e os Mastodon sacam da artilharia pesada e disparam “Steambreather”, “Precious Stones”, “Sleeping Giant” e “Toe to Toes” de rajada. Claro que o que consiste numa sequência de luxo varia; eu poderia continuar a nomear a restante setlist e alguém algures acharia que tudo era a melhor seleção possível de temas. Da nossa parte, que somos solícitos para que nos chamem posers, gostaríamos que a banda fizesse as pazes com temas como “Motherload”, mas com sete álbuns no bolso não podemos ter tudo. Ainda assim, e apesar de uma distribuição quase igualitária da setlist pela discografia da banda, é interessante constar que ainda é Leviathan que contribui com mais temas. (Lembrete: esta é a digressão promocional de Emperor Of Sand).

Comunicativos q.b., os Mastodon guardavam a voz para entoar clássicos atrás uns dos outros que eram recebidos por um público que os acarinha como a melhor banda de metal em actividade se tratasse. Porque, imagine-se, até que o são. Que os Mastodon tenham sido uma oportunidade desperdiçada de trocarmos de vacas sagradas do metal que é transversal a qualquer fã de música é uma cruz que ainda havemos de carregar durante anos. E quando essas se reformarem, que banda é que encabeça algum dos maiores festivais de verão cá do burgo? Os Machine Head? Quem nos dera, mas não é uma realidade possível. E os Mastodon tinham tudo: o street cred, os temas acessíveis, a imagem de pais porreiraços… Até o fim do concerto com “Blood and Thunder” teve o mesmo tipo de ambiente de “Seek And Destroy” em qualquer actuação ao vivo.

Nós sabemos, as comparações já estão cansadas. Cansadas de serem ditas e de serem ouvidas. E no entanto… É que seria tão óbvio e fácil.

Quando o concerto está para terminar a banda anuncia que voltará para o ano com mais um álbum. O público reage como se coletivamente estivessem a descobrir que vão ser pais. No fim, já só Brann Dailor sobrava em palco, aproveitava para repetir os agradecimentos aos técnicos que tornam tudo isto possível e para ser o hype man que os Mutoid Man e os Kvelertak merecem, mas até nem precisam. Pelo menos aprendemos que kvelertak significa estrangulamento. Ficamos à espera do ano que vem, pelo novo álbum, por mais Mastodon e pela curadoria de bandas que devíamos estar a ouvir.

Galeria


(Fotos por Hugo Rodrigues)

sobre o autor

Jorge De Almeida

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