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Estreamos as andanças do punk em 2019 na casa onde somos amiúde felizes. Cortesia da Hell Xis, o RCA encheu-se no passado domingo para acolher a figura histórica do punk, Michale Graves. Para completar o certame, juntaram-se ainda os Decreto 77 e os Patrulha do Purgatório.
Comecemos por aqueles que patrulham a fila de espera entre o céu e o inferno. Ao entrarmos no espaço, convidados pelos primeiros acordes de guitarra, comentamos: aquele não é o vocalista de Mata-Ratos? Era sim, ainda que enquanto membro desta patrulha, Miguel Newton, dê pelo nome de Buddy Sem Olhos. A acompanhá-lo estão também os coloridamente apelidados Zé Abutre, Túlio Maravilha, Juvenal Caveira. Ah! Faltou só o primo Zé Rui. “Quem?” perguntam vocês. Pois que não sabemos. A primeira menção a este primo surgiu após “Sexologia” e aparentemente teria saído uma notícia no Correio da Manhã que “o primo favorito andava outra vez a dar na fruta.” Em palco achou-se muita graça, o resto de nós ficou a perguntar-se se estaríamos fora de uma “Inside joke” muito boa.
O punk rock, esse, era de rajada. Como diria o vocalista dos Decreto 77, “punk oldschool,” com quantos powerchords por segundo fosse possível encaixar. Refrães orelhudos, que, até os havia – “Bolinhas de Sabão” – cediam lugar a palavras de ordem a afirmações de choque. Em “Egas Moniz” ouvia-se algo sobre “dedos no nariz, lobotomia, cortesia do doutor Egas Moniz.” Estou a parafrasear. “Lisboa a Arder,” não precisaria que se explicasse o valor de choque. A banda admite o maior sucesso do tema na cidade do Porto. “Eu estou-me a cagar,” acrescenta o guitarrista,“sou do Algarve.” Em “Quarto Da Simone” – onde o primo estaria a cagar porque a piada insistia em não morrer – até viria a público tocar e há que salutá-lo, e aos restantes elementos, pelo entrosamento com o público que lá se ia adensando. Pelo menos durante as canções, porque nos interregnos para falar passávamos bem sem a leve vergonha alheia.
Os Decreto 77 sucediam-lhes em palco e traziam uma missiva simples: Nós somos os Decreto 77; siga dançar!”
A figura longilínea em palco faz-nos lembrar simultaneamente as versões quarentonas do Dave Grohl e do Kris Novoselic. A voz é bem mais jovem e “clean” do que seria de esperar e deixa adivinhar a corrente mais melódica e pop do punk que a banda decreta. Temas como “Our own Way,” “Passivity” deram o mote para um concerto mais cantarolável. Os passinhos de dança que iam sendo pedidos em palco lá iam surgindo, porque a postura de “gajos porreiros” que lhes é aparente granjeia-lhes a boa vontade do público. Claro que o destaque vai para a canção com o melhor título da noite, “És Uma Merda.” Seria um óptimo momento para pontuar o fim da actuação mas “ainda faltavam para aí uns dez minutos,” apercebem-se. “Dá para mais umas treze. Bem, bora lá despachar que eu também quero ver o Graves; tive sorte, não paguei.” E a todo o gás ouviram-se, “Yeah Right,” “Open Hearts & Open Minds: Give freedom a Chance” o hino underground obrigatório, e “Big Bucks”. Termina assim um concerto boa onda, com a dança possível e com um público bem-humorado.
Então… Michale Graves.
O punk conservador polarizante. A quilometragem de cada um pode variar de acordo com o que se acha que o vocalista fez pelos Misfits. Pela nossa parte, e em jeito de declaração de interesses: Michale Graves> Danzig.
F*ck you. Fight us.
Calma, é só a brincar. Não nos queremos meter em encrencas, mas vamos ter sempre um lugar especial para a versão mais pop do horror punk dos americanos. Só não sabíamos que não estávamos sozinhos nessa admiração e que um dia iriamos cantar a plenos pulmões, acompanhados de outros tantos punks melosos, os versos de “Saturday Night.”
Quando entram em palco na penumbra, ao som de “canção-genérica-número-cinco” dos Imagine Dragons, conseguimos identificar a silhueta do vocalista que à pressa entrou no camarim do Freddy Krueger e vestiu o que encontrou. O chapéu pós-apocaliptico faz as vezes do penteado de metaleiro moicano que a calva impossibilitou e é a única coisa que denuncia a passagem do tempo numa carreira com mais de 20 anos.
E por falar em “carreira”, mostra de mãos para saber quem tem ouvido o que o músico lançou a solo.
Ninguém?
Também nos pareceu.
A verdade é que, ainda que a inclusão de temas fora do catálogo dos Misfits tenha sido feita com parcimónia, era óbvia a reação do público aos clássicos da banda. “Bedlam,” tema a solo, abriu o concerto, e ainda que nos parecesse perfeitamente enquadrada, assim que foi rendida por “American Psycho” o RCA transformou-se, as vozes cá em baixou fizeram-se ouvir e o mosh inaugurou-se.
O fenómeno repetir-se-ia ao longo do espetáculo ainda que o arremesso de corpos nunca tenha esmorecido demasiado. Apesar de figuras mais estranhas a participar na festa- olhando para ti, tipo com a bandeira da confederação estampada no casaco – o público ia sendo galvanizado pela entrega em palco e pela força de canções que envelheceram muitíssimo bem.” Saturday Night” foi um dos momentos mais bonitos que já se viveu naquele espaço ao som de uma confissão homicida. O RCA parou para cantar o mais alto que conseguia e Graves não se fez rogado a puxar pela voz. A certa altura, o músico confessa sentir-se aziado e em certos momentos parecia tirar algum tempo para se recompor, mas logo a seguir decidia pular como se tivesse 20 anos.
Ainda que pouco comunicativo no geral – o normal quando não se tem que anunciar títulos que toda a gente conhece – Graves tirou uns bons cinco minutos de discurso ininterrupto para explicar o que Lisboa e o público significam nesta altura da sua carreira. Aproveitou ainda para relembrar a passagem por Portugal com Marky Ramone e a curta história sobre como se conheceram (envolve droga e uma casa de banho) e quando toda a gente cantava o seu nome o músico insistia que a noite não era sobre ele e que devíamos antes entoar os nossos próprios nomes. Ideia que correu tão bem quanto seria de esperar.
“Helena,” daria ao concerto o seu momento mais hardcore, no sentido musical do termo (aquele interlúdio não engana ninguém) e no sentido físico. Um salve-se quem puder de braços e pernas a voar. A despedida seria ao som de ossos a serem escavados e só temos pena que “Dig Up Her Bones” seja tão curta porque lá estaríamos a cantar aqueles refrães pegajosos. Ou de “Scream.” Ou de “Descending Angel”. Ou de “Pumpkin Head.”
Percebem o que queremos dizer? Tudo quanto saiu da fase Michale Graves dos Misfits são pérolas.