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Um mundo comandado por drones, que dirigem outros drones, que nos transformam a todos nós também em drones, seres psicóticos, robotizados e vazios de empatia e de alma, é esta a realidade futurista e desoladora, que os Muse profetizam no último álbum, Drones, que teve ontem apresentação em Lisboa a 360º com todo o aparato e megalomania prometidos pela digressão Drones World Tour do trio britânico.
O que faltou à sua passagem pelo NOS Alive no ano passado, sobrou ontem na MEO Arena e hoje irá seguramente repetir-se a dose de drones voadores, projecções de vídeo ofuscantes, explosões de confetes, balões gigantes a percorrer a plateia, tudo isto claro, embrulhado no som abrasivo a que os Muse sempre nos habituaram, onde os solos prodigiosos de guitarra e a voz de cabeça irrepreensível de Matt Bellamy são argumentos que cheguem para nos fazer ir aos seus concertos, até numa MEO Arena que mais uma vez provou que o que consegue comportar em lotação, não justifica no som embrulhado, onde até os simples “obrigados” da banda se tornaram de difícil compreensão. No meio de todo este espectáculo só ficaram mesmo a faltar os famosos saltos de Matt, é que embora conscientes da fractura que sofreu há dias num dedo do pé, havia ainda quem acalentasse ver ao vivo um daqueles verdadeiros momentos à rock star, onde nem pernas partidas impedem o rock de prosseguir (perdoem-nos a inconsciência mas é que Dave Grohl não chegou a passar por cá).
Para que não restassem dúvidas que desta vez haveriam mesmo drones a sobrevoar-nos, foram estes a comandar o início do concerto e várias esferas de luz branca desceram sobre nós, num voo sincronizado e harmonioso, tal como se de anjos se tratassem, enquanto vozes celestiais nos enchiam os ouvidos. E quase nos deixaríamos enganar por esta aparente pacificidade se ao mesmo tempo não fossemos confrontados com uma projecção de vídeo de frases como “killed by drones, your father, my sister, mother, can you feel anything? are you dead inside? amen amen amen”. Éramos por fim arrancados a este torpor quando os Muse entraram em palco com os riffs potentes de “Psycho” a dilacerar o ar e a mostrar que, depois das viagens na pop em The Resistence e na electrónica em The 2nd Law, em Drones o rock voltou a encontrar algum espaço para respirar. Ideia que “Reapers” confunde de seguida, porque mesmo com os seus solos de guitarra a assomar ao math rock, não conseguimos perceber onde arrumar esta música.
Do saudoso Origin of Symmetry só nos chegaria “Plug In Baby”, a levantar a primeira poeira, a mais “velhinha” da noite, já que Showbiz ficou de parte, não fossem regressar as comparações aos Radiohead, que curiosamente por estes dias resolveram desaparecer de cena, da online pelo menos. Em seguida começava um possível fio condutor para o cenário que esta digressão de Drones pretende consciencializar-nos, “Dead Inside” e “The 2nd Law: Isolated System”, nas suas diferentes projecções de vídeo mostram-nos a edificação de uma mulher drone (as más línguas dirão que poderá ser referência a Kate Hudson), que em “The Handler” já controla por completo os Muse, meros fantoches sob os feixes de luz da sua mão dominante.
Drones à parte, menos os verdadeiros que voltavam novamente a sobrevoar-nos, “Supermassive Black Hole”, “Starlight” e “Apocalypse Please” levavam por fim a MEO Arena ao êxtase, a fazer coro às letras de cor. São estas viagens galácticas e estes mundos apocalípticos desgovernados aquilo que sempre mais nos fascinou nos Muse. Acelerados por este momento triunfal morremos na praia com “Madness”, desajustada e desinspirada como quase tudo o que saiu do fiasco da experimentação de The 2nd Law e só mesmo a sequência de “Map of the Problematique”, “Hysteria” e “Time Is Running Out” para restabelecer os níveis de adrenalina e voltar a fazer tremer a MEO Arena, que esta noite recebeu um público bastante diversificado. Entre velhos e novos fãs, há sobretudo muitos estrangeiros, prova que duas noites esgotadas não se fazem só de portugueses, sinal de que já não exportamos só festivais, bacalhau e fado, e cada vez mais há concertos em nome próprio a atrair massas ao nosso país. E se há música capaz de unir toda esta diversidade é “Uprising”, não porque nos sintamos reaccionários, e o 25 de abril até já se esfriou de novo na memória, mas porque o seu refrão é de batida contagiante e fácil de assimilar, o êxito pop mais bem sucedido e conseguido até hoje pelos Muse.
Tempo de regressar a Drones com “The Globalist”, uma epopeia musical que começa discreta num assobio, calmaria que se agiganta em tormenta a meio na potência da bateria e baixo, redimindo-se no final numa balada com Matt ao piano de cauda numa das extremidades e Christopher Wolstenholme no lado oposto deste palco enorme, que atravessa a MEO Arena em praticamente todo o seu comprimento, em dois corredores com cortinas que por vezes descem para a projecção de vídeos, unidos de uma plataforma giratória ao centro, onde por cima e dando a ilusão também de drone existem outros monitores rotativos para mais projecção de vídeo. Cansados? Nós também. Se ao início toda esta parafernália tecnológica impressionava, pelo final já desconcertava, e a mensagem para os perigos do drones, da inteligência artificial a tomar as rédeas sobre os humanos, o próprio humano como ser psicótico capaz de matar a partir do conforto de casa através da tecnologia, tudo isto que acreditamos ser aquilo a que os Muse pretendem alertar, diluiu-se numa produção visual exacerbada e em todas as muitas distracções desta noite. Teria feito mais sentido optar por drones ou por balões gigantes cheios de confetes em forma de pequenos homens a relembrar os citizen erased, misturar os dois só diminuiu em ambos a sua espetacularidade.
Chegados ao final, depois da intrépida e bela “Take a Bow”, já sentíamos saudades daqueles Muse que ainda não tínhamos visto nesta noite. Aqueles Muse de antigamente, sem todos estes artifícios, mas de músicas magnânimas que sempre tornaram avassaladores até os palcos mais pequenos. E o nosso desejo é atendido, sem drones, nem projecções, nem distracções, a noite fecha-se com “Knights of Cydonia”, essa bizarra cavalgada galáctica, com Christopher a puxar da harmónica “Man With a Harmonica” de Ennio Morricone, que lhe confere ainda mais estranheza e arrepios. “Knights of Cydonia” é tão somente a prova que os Muse não precisam de mais nada do que a sua música para serem gigantes, sempre o foram desde que começaram.