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Há coisas que, aos dias de hoje, já podemos tomar como garantidas para um concerto de Muse: os solos prodigiosos das muitas guitarras de Matt Bellamy (haverá sempre uma que cumpre o seu destino final numa fúria, previsível, de encontro ao chão do palco); as notas vocais ridiculamente difíceis, capazes até de nos perfurar os tímpanos, que atinge como se nada fosse; a sobriedade do baixo de Christopher Wolstenholme e o arrepio da sua harmónica que abre as hostes para aquele que será sempre um dos melhores momentos de qualquer concerto do trio: a cavalgada galáctica apocalíptica de “Knights of Cydonia”; a bateria estóica e pouco virtuosa, por comparação, de Dominic Howard; a tecnologia de ponta em efeitos de vídeo, luzes e engenharia de palco (o bailado de drones da passada digressão este ano deu lugar a muitos lasers, a uma tropa de dançarinos humanoide e a um cyborg gigante que se elevou já perto do final do concerto); as habituais explosões de confetes, serpentinas e balões. Tudo isto aconteceu, sem surpresas, na passagem dos Muse pelo Passeio Marítimo de Algés, na apresentação da digressão Simulation Theory: uma ópera rock retro-futurista desmedida que pareceu agradar bastante aos suspeitos do costume.
O público pareceu-nos ser nitidamente mais adulto, semeado de alguns adolescentes, mas ainda assim perguntamo-nos quantos dos ali presentes terão chegado aos Muse muito antes destes se terem tornado nesta banda assumidamente megalómana em todas as dimensões possíveis – convém notar que em termos de ambições líricas e sonoras os rapazes da pequena Teignmouth, no sul de Inglaterra, apontaram, desde o início, os seus primeiros voos em direcção ao Sol, com o “velhinho” Showbiz a apressar a translação da Terra para o virar do milénio, rumo a um futuro que prometia ser tão cheio de possibilidades quanto de temores – temáticas que, como talvez nenhuma outra banda, têm sabido explorar até à exaustão.
“We are caged in simulations” é a primeira frase que se pode ler nos enormes e impressionantes ecrãs instalados em palco, capazes de transmitir imagens nítidas do concerto a grandes distâncias – meio excelente para quem está mais afastado do palco conseguir perceber a escala de tudo o que se está a passar, embora, sarcasticamente, nos perguntemos se não terão também os Muse, nesta digressão, intenções algo extraterrestres? Depois da ameaça drone, esta é a nova distopia dos britânicos, um mundo onde o criador corre o risco de ser extinto pela sua criação, onde a tão ambicionada Inteligência Artificial pode significar o fim da espécie humana, que ficará presa em simulações sobre a quais perdeu o controle. E se estas previsões podem ainda parecer-nos ideias demasiado bizarras ou descabidas, na verdade, os perigos são já bem mais reais do que aqueles que se imaginam – tema em que não nos pretendemos alongar nesta reportagem mas para o qual vos deixamos a sugestão de uma pesquisa se vos interessar – por isso, de certa forma, até agradecemos a Matt Bellamy e à sua fértil imaginação por ser capaz de lançar sobre um tema tão pessimista tamanha fantasia e resistência, tornando belos e magnificientes até os desfechos mais apocalíticos.
Tudo isto, claro, envolto naquela misteriosa aura retro-futurista que a febre Stranger Things despertou em todos nós. Tivessem ao menos os Muse carregado mais a fundo no pedal dos sintetizadores nebulosos e obscuros, como Kyle Dixon e Michael Stein o fizeram, do que somente na imagética, mesmo que não muito original, bastante bem conseguida desde a capa do disco aos filtros vintage das imagens que vamos vendo em palco, que teríamos seguramente encontrado motivos para aplaudir este último trabalho da banda – Simulation Theory, o disco synth pop dos Muse.
Com as habituais visitas ao passado: “Plug In Baby”, “Supermassive Black Hole”, “Hysteria”, “Time Is Running Out”, “Take a Bow”, “Starlight”, a já referida “Knights of Cydonia” e a “New Born” ingratamente encaixada no medley final, sabemos que todas elas são hinos obrigatórios da banda e a maior parte bastante bem recebida, no entanto gostaríamos de que a cada nova digressão, onde existe, claro, mais um disco para apresentar, houvesse espaço ou troca a outros hinos igualmente avassaladores da sua discografia, que parecem entretanto ter ficado esquecidos – será pedir muito uma viagem ao Showbiz? É possível trocar tudo de The 2nd Law pelas obras primas de Origin of Symmetry?
É possível que este texto vos tenha parecido algo amargo ou que não tenhamos gostado do concerto – não se trata disso. Assumimos, com toda a parcialidade, que existem momentos da carreira dos Muse que preferimos muito mais que a outros, assim como assumimos que, ao vivo, até os momentos que menos gostamos são suplantados pelo espectáculo exímio da sua performance excelsa – emprega-se aqui a velha máxima: ao vivo são sempre bons. Não queremos ser ditadores de setlists, assim como não queremos balizar a megalomania de uma banda que, claramente, está em posição de se superar em grandiosidade a cada nova digressão se assim o entender. O nosso único medo é de que, algures pelo meio, os Muse se esqueçam de como tudo começou e fiquem, inevitavelmente, presos em simulações de si próprios.