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Advertência: o autor destas linhas tem certa pancada por New Order. Pedimos antecipadamente desculpa por qualquer desvario textual.
Numa edição que contou com um nome grande já com historial no festival, coube um nome ainda maior que ajudou a construir muita da música que se ouviu em Paredes de Coura ao longo de praticamente todas as edições – em particular das mais recentes. Falamos, claro está, dos New Order.
A banda de Manchester (ou Salford) é um dos grupos mais influentes da música popular dos últimos cinquenta anos: ascendeu que nem uma fénix das cinzas dos Joy Division para codificar a praxis do post-punk e calcificar a música de dança dos anos oitenta e noventa. Se Peter Hook, mítico baixista que criou um som próprio, faz ali falta, tal não é impeditivo que a banda continue relevante e competitiva, quiçá melhor ao vivo do que nos supostos anos áureos.
Excitação palpável no ar de miúdos do campismo que descobriram New Order no Spotify e dos graúdos que compravam o vinil no tempo em que as lojas de discos se chamavam “discotecas” e as pessoas gatafunhavam as iniciais e datas de compra nas capas. E, bom, às 22h50 deram música ao ansioso povo, com a intro de O Ouro do Reno do Anel dos Nibelungos de Wagner – toda a gente esperando que o concerto fosse um ouro do Coura.
Singularity é uma súmula dos New Order deste século: distante no tempo mas não musicalmente do material de Get Ready, tem como videoclip (mostrado em projecções) imagens da Berlim Ocidental dos anos oitenta. Passámos o dia numa viagem musical pelo tempo e pelo Mundo e agora estamos numa cápsula: imaginem-se no Frágil ou no Aniki-Bobó algures em 1987, de fino na mão, discutindo com o Miguel Esteves Cardoso o vosso mais recente sete polegadas da Factory, que ouviram pela primeira vez através de António Sérgio. Ou na Haçienda, com o génio Tony Wilson aos berros com Rob Gretton por causa de mesas em salas de reuniões da Factory.
Diga-se já: os New Order raramente foram uma banda excepcional ao vivo; Bernard Sumner (Barney, para os amigos) nunca foi um assombro de afinação vocal – deve ser da água de Manchester, que por lá também temos um Ian Brown que acerta numa nota em cada cinco. Parece-nos, contudo, que hoje em dia se esforçam para que o seu legado ao vivo seja melhor lembrado do que foi durante muitos anos.
Falámos dos Joy Division acima e os New Order lembraram-nos, neste ano em que passam quarenta desde o lançamento do LP Unknown Pleasures, que as raízes do post-punk também estão ali. Dali saiu She’s Lost Control e houve tempo para Transmission, single de estreia. Nesta notou-se a idade dos executantes, mais do que das canções.
De 1979 para 1983 é um pulinho no tempo mas grande na música do conjunto de Manchester, como se ouviu em Your Silent Face. O tutano de Kraftwerk e a melódica de Sumner perpassam pela canção e a execução sai de bonito efeito. Sumner puxa pelo público, vai ensaiando uns pezinhos de dança e embrenha-se intensamente na sua obra.
Como advertimos supra, somos fanáticos (perigosamente perto do fanboyismo) da banda e, como tal, queríamos uma setlist de três horas. Tal sendo impossível porque havia aviões para apanhar, aplauso para a transição artisticamente inteligente no alinhamento para Sub-culture (nem aqui Barney afinava na voz), em que se notou a diferença entre o período inicial post-punk da banda e a construção da música de dança na segunda metade dos anos oitenta e inícios dos anos noventa.
Falta Peter Hook? Falta e temos saudades dele, mas na secção de ritmo permanece Stephen Morris, daqueles bateristas que podemos apodar de “casa das máquinas com baquetas”. Ao contrário da actuação de 2005 no Super Bock Super Rock, trouxe uma bateria acústica e demais percussão electrónica, com aquela disposição de timbalões a que nos habituou já desde os Joy Division – e mais, importante, à precisão que sempre o caracterizou.
Faltava, porém, uma daquelas, um clássico absoluto; uma daquelas capaz de identificar imediatamente uma canção como sendo dos New Order do período de platina: sintetizadores capazes de levitar urbes e uma batida milhões de vezes samplada e copiada. Eis Bizarre Love Triangle e tantos punhos no ar e Gillian Gilbert serena e honesta a dar melodia a um recinto lotado e a mexer-se.
Assistimos ao desenvolvimento das canções e percebemos tantos concertos ali ocorridos nos últimos anos, desde New Young Pony Club em 2007 até aos Cut Copy em 2014. Ou os LCD Soundsystem em 2004 e 2016 – da praia de Ibiza de Losing My Edge até à praia fluvial do Taboão nesses anos, Coura foi Manchester e Ibiza por uma noite.
Por falar em bota que tem, Plastic é a melhor canção dos New Order desde 2001 ou coisa que o valha. Novamente Kraftwerk e o enorme trabalho de sintetizadores da banda a darem a crer que estamos em presença de uns gajos na casa dos vinte ou trinta que querem transformar o Mundo numa pista de dança e não de veteraníssimos senhores.
E uma bela passagem para outra daquelas ou não tivessem os New Order ajudado a parir a cultura do DJ: True Faith. Juramos que vimos Patrick Bateman a um canto, à espera de uma vítima incauta; já nós vivíamos o Sol da manhã criativa gloriosa dos New Order.
E pronto, o momento mais esperado por uma data de gente, dos góticos aos indies de ocasião: Blue Monday. Mosh, gente aos saltos, coros boleiros, a banda a sorrir e Barney mais novo vinte ou trinta anos. A malha que manteve a Factory (essa magnífica editora) operacional lembrada e relembrada como standard da música popular e porta de entrada para a obra do grupo. Fecho de setlist com Temptation, outra para assobiar e fazer um multitasking de coro boleiro e saltos. “Please don’t let me hit the ground” é mesmo o que nos passa pela cabeça.
O laconismo que era marca registada da banda foi ao ar ainda antes do encore e a coisa é mesmo para celebrar, mesmo que seja com o negrume de Atmosphere dos Joy Division. Dispensava-se tanto culto da personalidade de Ian Curtis, mas também não éramos nós os seus companheiros de banda e amigos – não lhe amparámos a cabeça e prendemos a língua em ataques de epilepsia nem tocámos ao vivo com ele.
Término com a inefável Love Will Tear Us Apart. Berreiro a plenos pulmões da plateia, a banda a cumprir com relativa competência (salvo Sumner, que quase grasnava a letra) o monumento em forma de canção e “Joy Division forever” a passar em loop lá atrás. Momento bonito para todos recordarem e para retrospectivas em vídeo da organização e de patrocinadores; o que podia ter sido um momento sóbrio à moda de um poema de T.S. Eliot foi uma celebração de quatro décadas de música de qualidade. Alas, que findou um concertão desta edição.
Era notória a surpresa da banda pela recepção a que teve direito (até o comentaram), pelo que façam favor de os trazerem mais vezes antes que acabem, que catorze anos entre actuações por cá e apenas duas em quarenta anos são pouco. Permitam-nos a piadola: uma Brotherhood de Thieves Like Us merece ser Touched by the Hand of God e ter um Fine Time num concerto dos New Order.
Singularity
Restless
She’s Lost Control (Joy Division)
Transmission (Joy Division)
Your Silent Face
Tutti Frutti
Sub-culture
Bizarre Love Triangle
Waiting for the Siren’s Call
Plastic
True Faith
Blue Monday
Temptation
Atmosphere (Joy Division)
Love Will Tear Us Apart (Joy Division)