Reportagem


NOS Alive

Sangue real, rock & roll e The Weeknd

Passeio Marítimo Algés

06/07/2017


Bem vindos ao NOS Alive 2017, o mais internacional dos festivais Portugueses. A mais recente edição gaba-se do feito extraordinário de esgotar os três num espaço de tempo sem precedente. São 55 mil festivaleiros que todos os dias peregrinam até ao Passeio Marítimo de Algés. A Everything is New está merecidamente de parabéns. Compôs um cartaz inteligente com nomes com provas dadas que não têm como falhar, e outros que, se tudo correr bem, tomarão de assalto o palco principal em edições futuras. Sim, quem se mete nestas andanças todos os anos já colecciona cromos repetidos, mas por cada um deles há um Ryan Adams, que raramente cá vem, a estreia dos Blossoms, e a sequência Spoon, Fleet Foxes e Cage The Elephant para acrescentar à caderneta. Compensa.

Neste primeiro dia decidimos chegar cedo para explorar o recinto. Continua igual ao que se espera. Muitas banquinhas, alguns souvenirs para coleccionar e a barba azul do Quimbé a distribuir preservativos. Uma destas coisas não é como as outras.

Atiramos uma moeda ao ar para escolher entre os dois palcos com concertos às 17h. Calhou o Heineken.

Os Veintiuno são a resposta espanhola aos The 1975. Juramos que não é só pelo penteado do vocalista, há mesmo nos momentos de rock e funk mais mobilizador de ancas uma afinidade com a banda de Manchester.  Ainda que tivessem acusado algum nervosismo no início do concerto, que nos deixou de pé atrás, os Veintiuno lá deram a volta ao concerto e o público, que já se havia acercado um pouco mais do palco, aplaudia com mais entusiasmo. Ainda havia muitos festivaleiros sentados, mas é expectável. Nota, no geral, positiva para estes vizinhos que sempre que se dirigiram ao público fizeram-no em português. +1. No fim, ouvíamos repetido o pedido para nos deixarmos manipular por eles em “Llama y Gasolina”. Ao vivo tem uma agressividade que lhes rendeu o nosso interesse. Considerem-nos manipulados.

Veintiuno no NOS Alive

Veintiuno

É altura de nos virarmos para o primeiro concerto do palco principal. São os You Can’t Win, Charlie Brown a fazer as honras. A tendência de 2017 do NOS Alive parece ser ter a banda nacional do dia a abrir este palco. Nos dias seguintes coube a Tiago Bettencourt e The Black Mamba. Como já o dissemos na nossa reportagem, os YCWCB estão acima deste tokenismo bem intencionado. A faceta mais electrónica do novo rock da banda fica-lhes bem e é a mais adequada a estes palcos. Para quem os estaria a ouvir pela primeira terá sido uma das melhores surpresas do dia.

Contrastando com a produção espartana dos YCWCB, as luzes que os Alt-J levam para palco parecem-nos um luxo. Ainda assim , terá sido um concerto que valeu pelos êxitos que já são conhecidos e têm honras de lugar cativo nas playlists do Spotify. De resto, foi peixe cozido com batatas para o jantar: quem gosta, comeu e achou bom, quem não gosta, comeu na mesma e não se importou. Não sabemos pôr o dedo na ferida, mas faltou qualquer coisa. A noite? Talvez. O palco principal vibrou pontualmente com “Matilda”, “Something Good”, “In Cold Blood” e “Breezeblocks,” mas não foi um experiência coesa do princípio ao fim.

Rumámos de volta ao Heineken porque não íamos querer perder Ryan Adams visto dos lugares da frente. O Palco NOS ficaria bem entregue aos Phoenix, como revela a reportagem fotográfica.

Blossoms no NOS Alive

Blossoms

Lá chegados, descobrimos os Blossoms que, como quem não quer a coisa, se revelaram a mais agradável surpresa do NOS Alive. Vestidos como os nossos pais teriam achado foleiro na década de 80, estes ingleses parecem ter saqueado o armário dos Bee Gees e incluído na indumentária o bom roque de uns Stone Roses. “Charlemagne” e “Favourite Room” são fantásticos album sellers. Ao vivo foram os melhores momentos e, durante a última, ainda vaiamos a Emma que terá acabado o relacionamento com um dos festivaleiros. Esperemos que a culpa não tenha sido do John. E sim, reparámos durante “Charlemagne” a inclusão ad lib do verso ” I’m in love with a starboy”. Isso, ou estamos a ouvir coisas.  Um bom concerto e a razão para existirem festivais: descobrir música. Coliseu de Lisboa já.

Ficámos onde estávamos para ouvir Ryan Adams. Não sabíamos como seria o concerto, mas imaginávamos que teria contornos bem mais roqueiros que da sua última vinda a Portugal. Assim foi. Ryan e a sua banda entram em palco com uma questão: “Do You Still Love Me?”. Passados seis anos, sim. Adams concordaria quando proclamou em tom surpreendido “This place rules”. O concerto teria dois momentos particularmente caricatos. O primeiro foi a figura mascarada que parecia saída de um pesadelo rejeitado do Donny Darko a tocar pandeireta. O segundo foi um pedido de desculpas público: “We’re sorry about Alt-J,” gozava. “It’s like a mosquito bite, if you ignore it’ll go away. I’m kidding, I love Nickelodeon. It’s a great channel.” Até a nós nos doeu. Nós percebemos, a oferta roque dos Alt-J é um bocadinho mansa e Ryan Adams havia de gritar ” People believe in rock and roll; they still fucking believe” como quem pretende devolver garra ao género. Antes de terminar o concerto há tempo para uma versão em banda de “When The Stars Go Blue” que nos aquece o coração. Não tem a ternura da versão despida, mas essa faceta seria disruptiva de um concerto que foi a todo o gás. E sim, muito zangado. “I’m sorry our president is a fucking moron, ” rematou antes de se despedir. Não houve “Come Pick Me Up,” nem “Sweet Carolina,” temas maiores do catálogo, mas nem podia.

Royal Blood no NOS Alive

Royal Blood

E agora?  Iríamos ver o que aprontavam os The XX no palco principal ou ficávamos para ver do início o melhor concerto da noite e de todo o palco Heineken?

Royal Blood.

Fácil.

Não nos é fácil dizer que foi realmente o melhor concerto que vimos no Palco Heineken. Se olharmos à entrega, Savages levam o primeiro lugar e, se olharmos à força e familiaridade dos fãs com o alinhamento, ele cabe aos Cage The Elephants. Mas pomos as mãos no fogo pelo duo que conseguiu o melhor equilíbrio dos dois aspectos que melhor definem o que faz um bom concerto ao vivo. Note-se: Foi muito renhido e não há nada a apontar às outras duas bandas no critério em que foram menos boas. O Palco Heineken, senhores: que  violência. Em Outubro o duo volta cá e o melhor é experienciar.

Quando os Royal Blood terminam já não temos força para abrir caminho até à frente do Palco NOS. Por um lado, porque as pernas não deixam, por outro, porque não somos aquelas bestas que acham que ninguém vai notar se se puserem à frente de quem fez por estar bem colocado largos minutos antes dos concertos começarem. Vocês e as pessoas que se sentam merecem a mesma tortura anal.

Ouvimos The Weeknd à distância. Pareceu-nos ouvir muita insistência na sexyness de Portugal e pedidos para ver a festa a acontecer.  De onde estávamos, o concerto pareceu-nos perfeitamente dentro das expectativas de um concerto pop de uma estrela maior (ainda que recente), mas se calhar o canadiano tinha uma opinião diferente. Tanta repetição de cliché – vou roubar à Blitz porque fizeram uma reportagem certeira – começou a soar a súplica que não parecia ter razão de ser. A voz afinada e delicodoce que repete obscenidades da forma mais sensual imaginável convenceu-nos e terá convencido o público que entre temas se revelava bastante arrebitado. Mas talvez o canadiano não atraia o público que costuma aderir ao circuito de festivais e durante os temas o artista não terá ficado convencido. A determinada altura recordou a passagem pelo NOS Primavera Sound; se vinha com as mesmas expectativas enganou-se. Lá por terem NOS no nome, não significa que partilhem do mesmo público. São monstros diferentes.

O concerto termina “The Hills” precedida de “I Feel It Coming,” uma aposta, na nossa humilde opinião, errada para surgir tão tardiamente no concerto. O tema pertence a meio do espectáculo para acalentar o coração daqueles que vêm pelos singles, mas deveria trocar de lugar com  “Can’t Feel My Face,” ou “Earn It”. Nem sequer é o melhor dos singles que envolvem um duo francês com capacetes.

Aproveitamos a deixa e antes da conclusão apontamos caminho para a saída do NOS Alive. Podíamos reservar o último parágrafo para nos queixarmos do quanto se tem que andar, mas não como se já não soubéssemos ao que vínhamos. No dia seguinte desforramos o défice calórico com um sundae.

Nota de edição: O texto foi alterado do original. Na primeira versão confundiu-se o fim do concerto de The Weeknd com a performance de “I Feel It Coming” que só terminaria com “The Hills.” 

Galeria


(Fotos por Hugo Rodrigues)

sobre o autor

Jorge De Almeida

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