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Sábado assinalou o terceiro dia de NOS Alive ou, melhor dizendo, o fim dos três feriados seguidos na linha de Cascais. Dia que acabaria por esgotar e com bastante por picar, mantendo-se a celebração de glórias dos anos noventa. E, claro, último dia para aquelas selfies para provocar FOMO alheio (apesar de não se conhecer um décimo do cartaz), para rodar mais um outfit de Verão, para mais uma bebedeirazita e figuras tristes associadas e, se houvesse tempo, para ver uns concertos.
A jornada começou com uma promessa, os Rolling Blackouts Coastal Fever (ou Rolling Blackouts C.F.), quinteto de Melbourne (cidade que competiu com Glasgow em fornecer bandas de craveira ao NOS Alive de 2019) que joga nos relvados de um jangle musculado. Apanhando o seu concerto já em curso, constatou-se que a banda dos manos Russo se movimenta bem naquilo que passa hoje por “indie rock”, sem entrar nos horrendos caminhos do indie de aterro.
Mais ainda, consegue almejar a jarda, como pudemos ouvir e ver em várias das suas canções, logo ali com aquele final estendido de Talking Straight, que deveria ser um êxito bem maior, já que refrões daqueles não são para quaisquer uns. Se a comparação quase óbvia são os compatriotas Go-Betweens, também ali se ouvem ecos de uns Dream Syndicate ou, mais recentemente, dos Crystal Stilts.
As canções do grupo australiano desenvolvem-se prima facie num agradável jangle, mas descambam maravilhosamente para outros vertiginosas, poderosamente ampliadas pela boa forma ao vivo da banda – French Press é um exemplo desse poderio. Se alternarem entre três vocalistas – Fran Keaney, Tom Russo e Joe White – não é truque novo, não compromete a identidade da banda. A noite prometia, que tínhamos acabado de ver uma menção honrosa desta edição do festival.
Sendo certo que é prudente avançar para um concerto com expectativas saudavelmente moderadas, era impossível fazê-lo com os Idles. Os nossos meninos predilectos do punk britânico corrente voltaram a fazer das suas e provaram que são: i) a banda mais trabalhadora que para aí anda; ii) por esse motivo, uma das melhores bandas do Mundo.
O sorriso maníaco de Joe Talbot dava o mote em Heel/Heal, naquela hora de cavalgar até ao Sol poente. Mantemos tudo o que dissemos sobre eles: são uma voz aguerrida que cant-, berra com urgência o monte de lixo que é o Reino Unido contemporâneo e recusam que se tenha de ser uma roda dentada sem identidade nem felicidade na sociedade. Não é novo, mas é perfeitamente fresco.
Foi complicado tirar notas, que esmurrávamos o ar nestes hinos contra a alienação como as enormes Mother ou I’m Scum; que nunca por vencidas se conheçam as mães e os explorados e que nunca os Tories (e o resto da escumalha do establishment, acrescentemos) deixem de os temer. É revigorante ouvir Joe Talbot dedicar uma canção a todos os que foram desconsiderados e rebaixados por gente de merda (como tantos de nós) e ao tempo em que formos gordos e velhos – com ou sem FaceApp.
E não, os Idles não são sisudos. Divertem-se como poucos e o palco Sagres é um suadouro em ebulição – de fúria e de riso. Não só com as palhaçadas de Mark Bowen (devidamente equipado para um mergulho no mar de gente) e Lee Kiernan, mas também com trocas de instrumentos com Talbot, passeios de distorção no público (punk as fuck) e um hilariante e carinhoso medley com Up Where We Belong, Nothing Compares 2 U e sabe-se lá mais o quê. Lads dos bons.
Por falar nestes, Never Fight a Man With a Perm foi de triste ironia: vimos, ao nosso lado, comportamentos como os dos grunhos retratados na canção, incluindo incomodar as pessoas ao lado com um pit mal pensado e depois retirada a meio de uma música para uma cerveja. Concrete to leather ainda era pouco.
Provavelmente o concerto de ritmo mais elevado (e um dos campeões) de todo o NOS Alive, teve direito a dedicatórias a Lisboa, ao público português e à filha de Talbot, para que nunca seja desprezada por ter nascido rapariga. A PMA não fica por aqui, que os Idles pediram alegria para a despedida com Rottweiler: “fiquemos alegres por este concerto ter acontecido e não por estar a acabar”. Ora nem mais.
Pouco se escreve sobre Bon Iver por duas razões: a primeira prende-se com a ridícula proibição de imagem que impôs a toda a comunicação social e a segunda é mesmo porque, para este escriba, o ego de Justin Vernon esmagou a qualidade da sua música (que já foi muita). Pelo que verificámos à distância, os pedidos de consumo de haxixe não devem ter entorpecido ninguém e houve tentativa de quebra de recorde de lágrimas e abraços de casalinhos, que as Skinny Love e Holocene desta vida é para isso que servem. Pareceu bom mas havia mais para (re)ver. Mais disto não se diz.
A relação deste escriba com os Smashing Pumpkins pós-reunião não é fácil; basicamente, só os tem ignorado desde que o ego gigante de Billy Corgan (agora enfia um “W.P.C.” no meio de letras de canções ao vivo) resolveu reactivar a banda que extinguiu em 2000 porque “não conseguia competir com as Britneys”. Pois bem, a Britney teve um meltdown em 2007, fez um cosplay de Ian MacKaye e não é a força de antigamente. E os Pumpkins?
Atentos os relatos de quem os viu nestes últimos anos, a doutrina não era unânime, salvo sobre um terrível concerto num Rock in Rio – ora bons, ora uma chatice. Também em disco pouco nos interessa a obra recente da banda do careca alternativo tornado heel. Mas finalmente demos o braço a torcer e voltámos a ver os Smashing Pumpkins, no meio de uma multidão de camisolas de Zero atraída pelo inexorável palco NOS, agora em tempo de Luiz Phellype e Bas Dost a avançados do Sporting em vez de Yordanov e Acosta.
Um aparato de palco que bem podia ser da Festa dos Tabuleiros e um Corgan que poderia ser um Nosferatu (até nos gestos) ou um Don Camillo careca não serviram de distracção: a História dos Pumpkins estava ali para ser superiormente contada, sem tretas. Do século XVIII com a Sarabande de Georg Friedrich Handel para 1991 e a Siva do seu disco de estreia, Gish.
O chumbo estava quente e mais ainda ficou com Zero (da obra maior da banda, Mellon Collie and the Infinite Sadness), com muita gente aos pulos. Esta formação tem a novidade do regresso de James Iha e de ter, no baixo, Jack Bates, filho de Peter Hook – sem esquecer o doutorando sósia de John Cusack, Jeff Schroeder. Não obstante as nossas dúvidas, o exame estava passado, logo ali com uma assombrosa Bullet With Butterfly Wings. E não é que, apesar de toda a nossa raiva, os gajos ainda soam bem?
Um paralelismo entre o passado glorioso e o presente da banda: quer The Everlasting Gaze quer Solara lembram que Jimmy Chamberlin é um baterista do caraças, é jazz num corpo de rock alternativo. Com efeito, já naquela chuvosa noite de 2 de Maio de 1996 em Cascais o tínhamos denotado, bem instalados na varanda de casa – #chupempobres.
O lado pop veio ao de cima com 1979 e Tonight, Tonight. A primeira sem D’Arcy a arruinar o coro do último refrão como em 1996 e a segunda com um coro afinado do público, sequioso de nostalgia e de hits, só faltando a evocação a Méliès nos ecrãs. Em Ava Adore copia Robert Smith e deambula pelo palco feito monsenhor de Chicago ou um pupilo de Paul Bearer, numa canção que também não destoou do alinhamento, ao contrário do sucedido em 1998, quando era um corpo estranho na obra da banda.
Pazes feitas com a banda de Chicago (mas o Corgan de hoje é de Los Angeles até ao tutano), reforçadas com um abraço numa Cherub Rock e o seu eterno solo. We must never be apart? Podendo.
Já não foi a primeira vez nesta edição do certame que as sobreposições no horário nos lixaram os planos de ver concertos em paz, mas o heptatlo obrigou-nos a largar os redimidos Pumpkins e saltar para o palco Sagres, porque era mesmo de ver Thom Yorke a solo. Que bem que soube ver um Yorke livre, leve e solto dos Radiohead a tocar e a dançar em liberdade, desde sublimes notas ao piano até danças espasmódicas à beira do palco, como que um convite indirecto a fazermos o mesmo – uma pena que a tenda estivesse a abarrotar.
Poderíamos reduzir Yorke a solo a uma même dos Wolf Eyes/Inzane Johnny: Thom Yorke é apenas ambient para pessoas que ouvem Radiohead (ou Steely Dan). Tal seria injusto, contudo. Apanhámo-lo no fim de uma Amok dos também seus Atoms For Peace, aquele seu pseudo-falsete a puxar para o feitiço, devidamente enquadrado por Nigel Godrich, o sexto membro dos Radiohead.
No meio da árida e cinzenta mas bela paisagem experimental de Yorke, um momento intimista ao piano, com Dawn Chorus. De Bonobo ou Four Tet para Max Richter ou Grouper (esta diversidade é a maior força de Yorke a solo), testemunhámos um dos momentos do festival – aquela pálpebra preguiçosa a ver se nos derretia a todos. Coerência cronológica e sonora para terminar com Atoms for Peace e Default (dos próprios Atoms). Mais uma aposta ganha para o festival e para nós prova superada.
No Clubbing, o mago da deep house combinada com a garage londrina (e o que Berlim lhe ponha na cabeça) George FitzGerald oferecia um live de qualidade numa tenda que ou estava a abarrotar ou tinha demasiados Homo Alivensis parados e de copo na mão a tentar descortinar aquilo que viam, nem que fosse a projecção da auréola desconstruída da capa de All That Must Be (2018), segundo LP do produtor. No que se perdeu em tempo de actuação por ser live ganhou-se em grandeza do que se ouviu, porque o fantástico Fading Love foi um dos melhores discos de 2015 e FitzGerald confirmou que é um gajo que gosta de produzir o que lhe vai na alma e que seja o mais acessível (sem ser corriqueiro) possível.
A próxima etapa do heptatlo seria um salto até Ena Pá 2000 no palco dito Comédia (já agora: nunca me ri com o Nilton). A banda de Manuel João Vieira, o maior nome do javardice rock português, anda há trinta e cinco anos a espalhar humor de (a espaços refinada) casa de banho. De banda residente do Titanic Sur Mer a cabeça de cartaz de um palco do NOS Alive foi um pulinho de alguns quilómetros.
Do que lhes vimos e mesmo após a morte do lendário Phil Mendrix, a instrumentação mais cuidada do que aparenta continua lá, acompanhando a destruição de versões de Tony Carreira. Atente-se neste pedaço de vintage Vieira: “gosto de ti drogada, só mais uma mamada, vai mas é trabalhar para a estrada”. Afinal de contas, o coração melado do Grande Plagiador também pode ser uma rasquice do bas fond.
Logo de seguida, o eterno candidato que só desistirá se for eleito justificou as aludidas versões: “ladrão que rouba ladrão tem mil anos de perdão!” e atirou-se a um hino dos Ena Pá, Colhão, Colhão. Por aí continuou até bem tarde, decerto com os mesmos incautos a entupirem estupidamente a entrada daquele palco, sempre de sorrisinho entre o maroto e o nervoso, porque palavrões saídos dum PA não são para qualquer um.
A última prova foi a dos Chemical Brothers. Ao Alive regressados após um fabuloso concerto em 2016, foram o último capítulo da nostalgia de noventas do festival. Vinte anos são coisa pouca quando se vê que ainda resta uma massa humana considerável, que quer terminar a noite com um pé de dança no pedal.
A dupla de Tom Rowlands e Ed Simons anda há trinta anos a dar-nos bangers e coreografias condizentes. Na primeira metade da sua actuação, obra recente como Free Yourself e Swoon (mais uns “tu-ru-rus” do público) chegaram para maltratar a relva artificial.
A meio, a pastilha elástica de Hey Boy Hey Girl; a proximidade à linha férrea deu para imaginar o videoclip de Star Guitar, mas em versão local: passar a zona da Cruz Quebrada e mirar o Tejo com aquela banda sonora num comboio. Na segunda metade, a pseudo-aeróbica continuou a pôr o público a mexer, deixando alguma obra maior dos Chemical Brothers para o fim: Dig Your Own Hole, Galvanize e Block Rockin’ Beats.
Com isto chegámos à meta do festival e, cremos, a um aquecimento geral para a travessia do malfadado viaduto para chegar a carros, autocarros e demais transportes. Negrume de The Cure, Grace Jones, Thom Yorke e do luto dos rockeiros que queriam o seu mofo de sempre em palco, mas também nostalgia de glórias relevantes dos noventas foram os leitmotivs deste Alive.
Tivemos o Cruzamento da Morte, lads, Homo Alivensis e uma sobrecarga de som vindo do PA a toda a hora, mas também tivemos concertos que valeram a ida e que ficaram não só na História do Alive, mas também na da música popular portuguesa. Não deitem fora o outfit deste ano que o ambiente e a carteira agradecem e estudem melhor os cartazes. Já nós fomos para o after da press ouvir reggaeton e cear. Até para o ano, Algés.