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Depois de um primeiro dia de NOS Alive com registo muito positivo (ajudado pela diversidade de propostas), o segundo dia era menos prometedor. Ainda assim, foi possível assistir à estreia em Portugal de Nathaniel Rateliff e dos seus Night Sweats, rever os sonhos e anseios no quarto metafórico de Arlo Parks e testemunhar o estrondo dos prazeres pop de Dua Lipa. Recordou-se ainda o décimo aniversário da actuação no festival do glorioso colectivo que tem gin no nome, efeméride comemorada à gargalhada na zona de imprensa.
O nosso expediente começou ao fim da tarde quando, no palco Heineken, os The Heavy, banda britânica conhecida sobretudo pelo seu êxito de 2009 How You Like Me Now?, espalhavam o volume e suor de um blues rock que ia agradando ao público presente. Recorrendo ao velho truque de deixar o maior hit para o fim, cumpriram para todos: os verdadeiramente fãs do grupo e aqueles que estavam só de passagem. O regresso àquele palco estava para breve, que um dos motivos de interesse desta edição do festival espalharia magia por ali daí a pouco tempo.
Entretanto, uma ida ao palco NOS para conferir a actuação de T-Rex (não havia outros nomes de dinossauro? Ainda acabam assombrados pelo Marc Bolan), que nem sequer é um dinossauro. Acompanhado de banda e oscilando entre o trap e o r&b contemporâneo, quem mais barulho fez, no entanto, foi o auto-tune – ao ponto de fazer tremer a estrutura da zona de imprensa.
A insipidez do concerto não impediu o público de dar boa réplica, ainda que temas como Volta soem demasiado à banda sonora de casalinhos que chamam “date” a ir ao McDonald’s à uma da manhã (e chatear os demais com isto no altifalante do telemóvel).
Andor, que havia música do outro lado do recinto e a circulação fazia-se já com certa dificuldade, que sexta à noite em Algés em Julho afigura-se como “o” sítio para se estar no entender de várias sub-espécies festivaleiras. Dos mochileiros à espera de um cabeça de cartaz, coleccionadores profissionais de brindes (passam horas em filas para isto, impressionante) até aos meros curiosos e pessoas que vão pelo status de ir a um festival (um mistério sócio-económico). Os melómanos? Vão aguentando lá pelo meio.
Nathaniel Rateliff & The Night Sweats – Palco Heineken
Um nome como o de Nathaniel Rateliff é a típica raridade que um festival como o NOS Alive traz e que fica ali no coração do horário para ser finalmente visto ao vivo por quem gosta (olá) e para ser descoberto por quem tenha a curiosidade necessária. Com uma carreira a caminho dos vinte anos e um álbum com os Night Sweats (South of Here, pela Stax) saído este ano, material para passar em revista não faltou.
Encarnando o seu melhor Bob Seger (até porque caía a noite e era altura de uns moves), Rateliff e os Night Sweats entram a cavalgar em I Need Never Get Old. E de pedal a fundo continuam, com especial destaque para o dono das teclas, Mark Shusterman, que é um espectáculo dentro do espectáculo. Deve ser lá da água do Colorado.
Por seu turno, Rateliff puxa pela voz em canções como Heartless, A Little Honey e Remember I Was a Dancer parecendo, a espaços, um sobrinho de George Jones e um primo de Joshua Ray Walker, harmonizando vocalmente alinhado com os acordes da sua guitarra, numa sintonia que é uma prelecção de como tornar coisas como a country e a folk acessíveis (sem perderem qualidades) para um público que lhes é estranho.
E não fica estático no seu posto. Abandonando o pelouro da guitarra, põe o cabedal das botas a trabalhar deslizando pelo palco à moda de James Brown (e os irmãos Elwood e Jake já aí aparecem) e cantando contos vários do seu imaginário, gesticulando como um clérigo roqueiro. Se ontem tivemos o prior de Chicago Billy Corgan, hoje temos o reverendo Rateliff de Denver.
Estando aquele palco e plateia transformados num honky tonk, alguém tinha de ir ao tapete, como sucedeu com uma jovem, prontamente assistida pela segurança. Manifestando preocupação com o sucedido, Rateliff pergunta se está tudo bem e, perante resposta afirmativa, avança para terrenos do heartland rock, nos quais se incluiu uma versão formidável de Dancing In The Dark de Bruce Springsteen, muito por culpa de uma secção de sopros fundamental no desenrolar dos acontecimentos.
Para fechar a hora e pouco de funcionamento do honky tonk de Algés em modo festa bastaram S.O.B. (iniciais daquilo que estão a pensar) e Love Don’t. Milhares aos pulos graças a oito valentes filhos da p-, da mãe que finalmente passaram por cá.
Mais vale tarde do que nunca.
Depois de um intervalo para jantar, a volta possível por um recinto apinhado de gente. Paragem no palco Heineken para constatar que a cantora norueguesa Aurora tinha posto uma tenda a abarrotar a dançar a sua pop muito eurovisionável, com um manifesto identitário à mistura.
Pelo que nos foi dito por quem a entrevistou algumas horas antes, a simpatia que demonstra em palco também o demonstrou nalguns minutos de conversa, pelo que se tira o chapéu à ausência de atitudes de vedeta. E mais haverá no dia 9 de Maio do próximo ano no Campo Pequeno, data do regresso da autora de Runaway.
Havia, porém, que desandar a caminho do palco NOS, para o reencontro com Arlo Parks, inclusão de última hora no cartaz após o cancelamento do concerto de Tyla.
Arlo Parks – Palco NOS
Desde a última vez que a vimos há cerca de dois anos em Paredes de Coura, Arlo Parks cresceu artisticamente e levou a sua introspecção não acanhada (passe a contradição) para voos e palcos maiores. E não se deu nada mal com isso, pese a missão complicada de actuar para uma turba de mochileiros e de gente desconhecedora da sua música ou mesmo indiferente (estes nada merecedores de serem os destinatários de actuações destas).
Para arrancar, o intimismo de Bruiseless, imediatamente seguida de Weightless, ambas de My Soft Machine, óptimo registo saído no ano passado e que continuou a revelar a dualidade acima aludida, cujos primeiros capítulos, como Caroline, foram também revisitados por Parks.
Antes de Eugene, Arlo explica-nos o seu contexto: “esta canção é sobre ter um crush num amigo”. Numa situação da vida pessoal que deixaria qualquer um a falar sozinho, ela fala connosco e, a par da banda, demonstra uma desenvoltura que ainda não tinha em 2022; se o palco é o seu quarto metafórico e musical, este cresceu e nele cabem agora mais sangue na guelra sónica e bastante mais gente.
Hurt, faixa de topo do repertório de Parks, tem agora mais laivos de Madchester (e de uns EMF) e um refrão mais orelhudo do que em estúdio e nas anteriores interpretações ao vivo, assentando nas exigências de um palco principal de festival. Idem, aspas para Too Good e sua simbiose entre a voz de veludo da britânica e a secção de ritmo da banda.
A passagem do plano dançável para o onírico deu-se com Sophie. Uma menção que não pode ficar por fazer é à paleta melódica das canções de Arlo Parks, muitíssimo bem trabalhadas por esta e pelos colaboradores de estúdio e transposta cabalmente para o palco durante todo o concerto – um crescimento artístico que é de saudar.
A lisura de Softly fechou o concerto, que de substituição de última hora passou a um dos melhores do NOS Alive 2024. E o quarto metafórico-musical de Arlo Parks? Sempre aberto a todos os que a quiserem ouvir.
Se a multidão não desarmou tal era a ânsia de não perder o lugar para ver Dua Lipa, o nosso plano passava por uma espreitadela ao concerto de Michael Kiwanuka no palco Heineken. Com uma enchente de tal modo grande que até havia gente empoleirada nos bancos da zona de restauração, o britânico empolgava quem estivesse em condições de o ver e ouvir.
É também nestes concertos que se nota a importância do público estrangeiro (do britânico, sobretudo) no NOS Alive, mais conhecedor e participativo nas actuações de The Heavy, Nathaniel Rateliff & the Night Sweats ou Michael Kiwanuka. Se a coisa era para um uníssono de milhares, então haveria que rumar novamente ao palco NOS para o concerto de Dua Lipa, cabeça de cartaz deste segundo dia.
Dua Lipa – Palco NOS
[Nota: por limitações impostas pela artista não foi possível fotografar o concerto]
Depois da actuação de Jessie Ware no dia anterior, esta edição do NOS Alive trouxe outro nome de topo dos actuais prazeres pop. Falamos de Dua Lipa, cantora anglo-albanesa que, desde a sua estreia em 2017 com um álbum homónimo, se tem assumido como um vulto da pop ocidental contemporânea (a que ter crescido no cosmopolitismo de Londres não terá sido alheio, atento o seu contexto) ou, medindo-se-lhe a popularidade, de uma das maiores estrelas pop do planeta. Tendo também Radical Optimism (editado este ano) para apresentar, a previsão era de bangers a monte durante hora e meia.
Numa nota prévia e com todas as piadas secas que se podem fazer sobre a pretensa futilidade da música pop não prestar nem para quem é afectado pela surdez, o concerto serviria também para testar coletes sensoriais para espectadores surdos. Considerando o valor em matéria de relações públicas para a cantora e para o festival, não deixa de ser uma iniciativa curiosa e, espera-se, útil.
Se do honky tonk de Nathaniel Rateliff fomos para o quarto musical de Arlo Parks, agora era mesmo hora de ir para a pista de dança de Dua Lipa. Num cenário a fazer lembrar um estaleiro de obra com andaimes a circundar o palco, havia famílias e fanáticos formando uma multidão à espera de entrar em ebulição, com os ouvidos devidamente preparados pela música que saía do PA: uma selecção de malhonas de outros tempos, como a versão original de I See You Baby dos Groove Armada.
E se era para suar, então Training Session deu o mote para a pista de dança ser também uma pista de atletismo (ou uma passadeira no ginásio). Fazendo a piada com o malhão seguinte, One Kiss, bastava um malhão destes para o concerto ser de arromba; Dua Lipa e a troupe de dançarinos dominavam as atenções, enchiam o palco (e a passadeira que o prolongava), os confetti em forma de coração aterravam em cima de nós e daí se concluía que o turbilhão estava em velocidade de cruzeiro.
Velocidade de cruzeiro para onde, mesmo? Para a Lua, segundo rumo traçado pela cantora antes de Levitating. Reminiscente dos Chic (lembrete de que a obra de Dua Lipa é sobretudo uma junção de bom gosto da disco e da house), resultou num ponto alto de uma noite cheia deles, passe o lugar-comum. Qualquer que tenha sido o choro dos rockistas por se ter um cabeça de cartaz da pop nesta edição, era impossível ouvi-lo com a parada de malhões que passava à nossa frente.
Depois de canções como These Walls e Be The One (com direito a apresentação da banda) o entusiasmo era geral, fosse entre pessoas com gostos pop sofisticados (como um camarada desta vida especialista em K-pop) ou entre o batalhão de mulheres às cavalitas de homens, estes numa provável demanda de um crédito para daí a umas horas já no recato do lar ou de outra infra-estrutura apropriada para aquilo a que no vernáculo se chama “pinocada”.
A maior força de Dua Lipa não é a sua voz, que tem qualidade e versatilidade para o efeito, mas sim as colaborações aquando da criação do material que, por conseguinte, resultam em excelentes canções pop. Junte-se-lhe uma interpretação inexcedível ao vivo e temos um conjunto final de inegável qualidade, de quem passou de seguir tendências para passar a ditá-las.
A inteligência criativa de Love Again e a excepcional interpretação provam o nosso argumento. Pegue-se num sample de My Woman (canção dos anos trinta) e depois no de Your Woman (que nos anos noventa samplou a primeira), coloque-se uma batida e demais produção e temos não só uma cadeia evolutiva da música popular, mas também um produto (por assim dizer) belíssimo a que basta emprestar uma voz versátil para rebentar com os tops e com a plateia nos concertos. Como complemento, projecções e coreografias de atravessar o palco a rodopiar enchem o olho – e as escadas do palco de Dua Lipa funcionam melhor do que as do metro da Baixa.
As referências aos anos noventa não se ficaram por ali, porém. Do cofre de colaborações (desta feita com os Silk City, dupla de Mark Ronson e Diplo) saiu Electricity, com uns baixos que por pouco que não batiam o recorde de partir chão do supramencionado colectivo com “gin” no nome, ali estabelecido em 2014. A açorda Dua Lipa-Elton John-Pnau de Cold Heart e o semi-rock de Happy for You deram para bater o pé, fechar o alinhamento principal e servir de antecâmara para o muito necessário encore.
Regresso a palco para a pop mais convencional (não menos inspirada nos oitentas do que Be The One) de Physical, montra para o lado mais bombástico da voz de Dua Lipa, prosseguindo-se para a intrigalhada ciumenta na pista de dança de Don’t Start Now, que tem Kool & The Gang e Giorgio Moroder no ADN.
Por fim, Houdini. Trata-se de uma das canções que mais temos ouvido este ano, facto que temos zero vergonha em admitir. Espécie de roteiro de conquista do coração de uma mulher complexa, são 117 BPM de cereja no topo de um bolo feito com toda a precisão em cima de uma pista de dança com cinquenta e tal mil pessoas. E para as coisas serem ainda mais épicas, um fogo-de-artifício que serviu simultaneamente de fecho de concerto e de distracção para que Dua Lipa imitasse Harry Houdini e desaparecesse do palco, levando consigo os nossos aplausos.
Noventa minutos de alguns dos melhores prazeres pop da última década ou, mais sucintamente, um dos concertos do festival e do ano. Profundidade intelectual? Não é fundamental num concerto de pop. Qualidade criativa? Para o que se quer, há para dar e vender. Divertimento? Todo e mais algum. E isso chega para a grandeza de Dua Lipa.
Término de segundo dia de NOS Alive com um registo de qualidade (a hora demasiado avançada de Floating Points impediu que se marcasse presença), mesmo com uma certa falta de propostas com assunto. Aquelas que o tinham convenceram (e de que maneira) e isso por vezes basta, que ainda havia o último dia para encher barriga.