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No último dia de NOS Alive e no primeiro a esgotar, não estamos errados se dissermos que, para a maioria das pessoas que esteve presente no terceiro dia do festival, este era o dia pelo qual esperavam, aquele em que emergem da tarde e do pórtico de entrada aqueles que usam t-shirts dos Pearl Jam e livres habitam a substância do Passeio Marítimo de Algés.
Parafraseando um antigo Presidente da República: há vida para além do grunge. E foi isso que confirmámos neste último dia em Algés, fosse com a fixeza das Breeders ou a discrição extrovertida dos Khruangbin.
Num solarengo fim de tarde, deambulámos pelo recinto e estacionámos no palco Coreto para uns minutos de Capital da Bulgária (mais referências à Bulgária lá para baixo), projecto indie pop de Sofia Reis. Música agradável para este fim de tarde e para ajudar a esquecer, naquele cantinho do recinto, a enchente que se começava a avolumar.
Pouco depois, virámos as costas ao astro-rei rumo ao palco Heineken para um pouco do concerto de Black Honey, quarteto inglês que veio acender o lume do rock alternativo. Sem perderem tempo e com a vocalista e guitarrista Izzy B. Phillips a encarnar uma Capuchinho Vermelho da distorção, lançam-se a All My Pride e OK, canções situadas entre as Hole e Mannequin Pussy.
Enviando uma prova de vida do rock para todos os presentes cujas expressões faciais e t-shirts de Pearl Jam e demais bandas de grunge denotavam dúvidas sobre a sobrevivência daquele, mostraram outro lado do seu arsenal em Beaches, pastilha elástica para alterno mastigar.
Do som escorreito da banda de Brighton no palco Heineken partiu-se para o palco NOS, onde as Breeders, históricas do rock alternativo, iriam dar um passeio por uma carreira de trinta anos.
The Breeders – Palco NOS
A banda das gémeas da fixeza Kim e Kelley Deal lançou-nos uns sorrisos marotos mal entrou em palco e anunciou que o Verão está pronto quando nós estivermos prontos numa Saints que nada ficou a dever à versão de estúdio, bem pelo contrário. Já se parte do público mais junto ao palco estaria pronta para receber uma lição destas é outra história.
Aturar alarvidades de fãs de Pearl Jam desrespeitosos (para não dizer imbecis) e com demasiado álcool no bucho, os retardatários que insistem em furar quando o concerto já vai lançado (e que depois se retiram) e a indiferença de gente que decide transformar um concerto num debate do social são causas de desgaste e de certa frustração, sobretudo em festivais grandes. Estabeleça-se que a mudança do concerto para o palco Heineken teria sido benéfica para todas as partes interessadas, que uma coisa é ter gostos diferentes, a outra é não respeitar os (dos) outros.
No que realmente interessa, a forma das Breeders em 2024 é incrível. Havendo mais um aniversário de mais um grande disco para comemorar nesta edição do festival, in casu os trinta e um anos de Last Splash (tocado fora de ordem, para a imprevisbilidade aumentar o prazer), o concerto não se esgotou na efeméride, percorrendo também canções de Pod, álbum de estreia gravado pelo saudoso e imortal Steve Albini – e também de certa banda de Boston de que Kim Deal fez parte.
Falando-se de Pod, a transposição para o palco de músicas como Doe, When I Was a Painter e Iris cumpriu o esperado. As harmonizações vocais aveludadas entre as gémeas Deal estão lá, unicamente assentes numa plataforma de rock alternativo dadaísta, mantida pela estabilidade de uma formação que é a mesma desde as saídas de Tanya Donelly (Throwing Muses) e Britt Walford (o baterista dos Slint vilipendiado num malhão de Jesus Lizard) e a entrada de Jim MacPherson para a bateria.
Retorno a Last Splash para uma irrepreensível Cannonball que acordou parte da multidão (os verdadeiros estavam obviamente bem atentos), passando-se ainda pela terna versão de Drivin’ on 9, por I Just Wanna Get Along (com mochileiros é complicado manter esta mensagem) e pelo surf rock psicadélico de No Aloha.
Esta foi a segunda vez que vimos a banda de Dayton, tendo a primeira sido no Primavera Sound em 2018, naquele que foi um concerto e tanto (e logo num palco principal, mas com público de outra estirpe). A banda não só não perdeu vitalidade, como num hipotético confronto entre Breeders e a antiga banda de Kim Deal, os Pixies, aquela sairia a ganhar. Não que os Pixies actuais sejam terríveis, longe disso, mas falta-lhes algo: a verve e a voz de Kim Deal. São como um prego sem alho.
Ao soarem os primeiros acordes de baixo de Gigantic, clássico dos Pixies, é isso mesmo que se sente. E, tratando-se da última canção do concerto, o veredicto é este: ver Breeders em 2024 é bem mais interessante do que ver Pixies. Umas vivem, outros sobrevivem.
Como segunda sobremesa do jantar, confira-se o concerto dos Sum 41, banda canadiana que em tempos foi referência maior do pop punk e que anunciou que Heaven :x: Hell (editado este ano) será o seu último álbum e esta a sua última digressão, após vinte e oito anos de actividade. Algum dia os rapazes teriam de acabar o liceu.
As más-línguas diriam que T.N.T. dos AC/DC, utilizada como introdução, seria a única maneira de haver música naquele palco, mas Motivation é uma canção com a sua piada, orelhuda e própria para quem recebeu lições de engate dos filmes da série American Pie; bem assim, o sentido de humor da banda, não sendo completamente escatológico, é quase sempre juvenil ou autodepreciativo (o que não é de todo mau), reflectindo-se até no merchandise do grupo. Pesadões (e não é da idade, é mesmo do som), os Sum 41 resolvem fazer-se ouvir até Setúbal, pelo menos.
Deryck Whibley, vocalista de guitarra a tiracolo, puxa freneticamente pelos dois lados do público, incitando ambos a mostrarem a sua devoção (ou pelo menos apreço) pelo grupo canadiano nesta sua última passagem por cá. Com Motivation e The Hell Song com lugar prematuro na set list somos lembrados de que a carreira da banda é não apenas longa, mas também com canções simples no escopo que em tempos (precisamente de liceu) serviam de pausa de bandas melhores e mais “sérias”. Divertimento a mais e revolução a menos, mas boa sorte para eles e até à reunião.
Pontaria feita ao palco Heineken, onde uma máquina da música popular alternativa de agora chamada Khruangbin esperava por nós.
Khruangbin – Palco Heineken
Depois do quarto de Arlo Parks no dia anterior, hoje fomos convidados para a sala dos Khruangbin, trio texano composto por Mark Speer (guitarra), Laura Lee (baixo) e DJ Johnson (bateria) que ainda este ano lançou A LA SALA, convincente quarto álbum de originais (sem contar com os discos a meias com Leon Bridges e Vieux Farka Touré). O nome da banda, “avião” em tailandês, encaixa na sua fluidez sónica, recorrendo também Speer e Lee a perucas para manter um quase anonimato – e um certo enigma, note-se.
Uma banda cujo sentido rítmico dá para acertar o relógio só podia começar a horas, num palco cujo cenário remete efectivamente para uma sala. Devagarinho foram embalando uma plateia ao barrote ao começarem com a intensidade crescente de August Twelve, canção do álbum de estreia, The Universe Smiles Upon You (2015). Numa roupagem maioritariamente dançável, há todavia espaço para May Ninth, uma remissão dupla para a paixão sonolenta de Summer Madness (loucura patente na plateia) de Kool & The Gang e praticamente todo o catálogo de Chet Atkins. Completamente à vontade, Speer e Lee deambulam pelo palco num diálogo instrumental (com umas vozes pelo meio) memorável.
Se for para cantar, cante-se. Hold Me Up (Thank You), So We Won’t Forget ou Pelota são filigrana auditiva que é complicada de classificar. Se na generalidade das canções sobressai a influência dos psicadelistas tailandeses Khun Narin e dos turcos Mazhar ve Fuat, não é de somenos importância chamar à colação uma multitude de gente: Duane Eddy, Link Wray, Ali e Vieux Farka Touré, Mdou Moctar e o surf rock dos Surfaris e dos Ventures, entre muitos outros. No tocante ao ritmo, Lee tem toda a escola James Jamerson e DJ Johnson, imbuído dos poderes de controlo do tempo de Bernard Purdie e Tony Allen, não precisa de nenhum metrónomo, que os metrónomos é que são calibrados a partir de Johnson.
Por este extenso rio de influências acima se foi fazendo uma simbiose de belo efeito entre a banda e o público, que culminou com Maria También e Evan Finds the Third Room (e nós descobrimos a sala), mais gingonas do que o costume, na tal discrição extrovertida a que aludimos acima. Em falta só estava o Farolim de Felgueiras, canção de A LA SALA que teria dado um bonito interlúdio entre canções.
As projecções nas janelas fizeram-nos atravessar paisagens infernais e nuvens, para aterrarmos no fim de um concerto que, não tendo o estrondo de outros no festival, nem por isso deixou de ser dos melhores. Os Khruangbin não são uma banda de espalhafato, são, isso sim, tecnicamente capazes e extremamente consistentes, receita para a qualidade e para uma saudável longevidade.
Tirando os mais distraídos, debandada geral para o palco NOS, dado que se estava a minutos do concerto dos Pearl Jam, principal nome do dia e, por extinção de partes, do maior nome restante do grunge.
Pearl Jam – Palco NOS
[Nota: por limitações impostas pela banda não foi possível fotografar o concerto]
Mais terra e bilhetes houvessem e mais gente estaria em frente do palco principal para ver o nome mais aguardado desta edição (e de todas aquelas em que o nome da banda de Seattle figure no cartaz, sejamos francos). Depois de duas semanas de apreensão cortante para a nação grungista por via dos cancelamentos dos concertos dos Pearl Jam por essa Europa fora à conta de doença que afectou vários membros da banda, Portugal foi abençoado pelos deuses das power chords e iria mesmo ver Eddie Vedder e companhia, numa história de devoção incondicional que dura desde aquelas duas datas no saudoso antigo pavilhão do Grupo Dramático e Sportivo de Cascais (quase cento e dez anos de arte, sport e bem, não esquecer) em Novembro de 1996.
Cortinas de palco abertas às 23:15h de sábado, 13 de Julho de 2024, para a escrita de mais um capítulo da máquina Pearl Jam em Portugal. Trinta e um anos após aquele que para nós continua a ser o melhor álbum da banda, Vs., eis um arranque de belo efeito com Daughter. Vedder, maior ídolo da torcida, parece querer redefinir o drip do dad rock ou talvez queira ser o Indiana Jones de Algés: um fedora na cabeça e a costumeira camisola dos Chicago Bears com o número de Walter Payton, o uniforme dos campeões das multidões. Para dar um ar de seriedade, Jeff Ament toca um contrabaixo eléctrico e relembra-nos porque é que foi, a par de Krist Novoselic, o nosso primeiro vulto dos baixos.
Aliás, os Pearl Jam foram a nossa banda dos “primeiros”: primeira banda preferida (de 1993 a 2000), Eddie Vedder o primeiro ídolo, primeiro poster pendurado, Mike McCready e Stone Gossard a primeira noção do que são um guitarrista solo e um ritmo e a guerra contra a Ticketmaster (macabra premonição das atrocidades do monstro pós-fusão Live Nation-Ticketmaster de hoje) o primeiro exemplo de uma banda a combater pelo que é justo. Para além de Vedder, Krasimir Balakov e Luís Figo eram os nossos profetas, imunes aos ensinamentos da catequese à sexta-feira. A heresia esteve sempre em nós.
Há que dizer isto com frontalidade: depois de terem sido a nossa banda número um, os Pearl Jam foram caindo no nosso ranking pessoal, ao ponto de terem passado anos sem ouvirmos nada deles, salvo em modo aleatório em streaming ou na rádio, porque o nosso ouvido cresceu e porque parte das bandas daquele tempo envelheceram mal, perdendo praticamente todo o assunto ao fim de menos de uma década, ao contrário do que aconteceu com bandas mais recentes, como os Arcade Fire. O material pós-noventas é fraco se comparado com os clássicos e muitos dos fãs mais acérrimos são insuportavelmente ignorantes no que toca a reconhecer que a música popular não morreu com o grunge e que o problema é mesmo deles porque sim, HOJE EM DIA HÁ BOA MÚSICA A RODOS.
Contudo, há que dar a mão à palmatória: mal começa Animal somos imediatamente levados de volta a um quarto em Cascais algures em 1994, com um Walkman da Sony a tocar vigorosamente a muralha de som daquela canção maior da banda, cujo solo é demasiado bom para ser esquecido. E pelos anos noventa se continua, com Given To Fly (de Yield e sempre épica ao vivo) e Elderly Woman Behind the Counter in a Small Town, pérola acústica de Vs., com a sua outro cantarolada por tanta gente em Algés.
Eddie Vedder dirige-nos umas quantas palavras (“oulah a todosh, bôa noiteh!”), prosseguindo, ainda meio azamboado (frágil, mesmo) e num português macarrónico, sobre ser assim que se organiza um “feshtival debaixo de um céu de vierão perfeito” para uns gajos que são “apenash uma banda de Seattle”. Não era preciso mais, que o público estava ganho.
Até agora, a única desilusão era mesmo o público. Depois de atazanar a vida a quem queria ver outros concertos no palco principal, acaba por ficar quieto e calado que nem um rato diante dos seus ídolos, situação bem diferente de todos os concertos da banda de Seattle que já vimos – incluindo ali mesmo, em 2010.
Não esquecer, ainda, que muitos dos fãs mais velhos atribuem o declínio da música popular a quem registe qualquer coisa num telemóvel, quando, pelo que observámos, foi um mar desses chorões quem mais filmou e fotografou o concerto. Nada que demova quem realmente gosta do grupo de dar tudo num par de malhões de Ten, Why Go e Jeremy.
Tecnicamente e tal como os Smashing Pumpkins na primeira noite do festival, os de Seattle continuam um bandão ao vivo; não esqueçamos que Vedder e Matt Cameron (mais um grande baterista presente nesta edição) estão nos sessentas e o resto da banda para lá caminha, para mais que vindos de convalescença. A Stratocaster de McCready e a sua aliança com o pedal de wah-wah ainda levitam e arrasam ao longo da actuação, com especial destaque para Even Flow (Vedder: “não me lembro do nome desta, mas tem muita guitarra eléctrica”), o nosso hino pessoal nesses anos de infância e início de adolescência.
Se foi uma excelente ideia começar o concerto com uma grande canção de Vs., então acabar o alinhamento principal com uma malhona de Ten foi uma ideia do mesmo calibre; uma Porch com a energia em altas e mais um recital de McCready e Vedder. E, bom, se não houvesse encore haveria o Apocalipse em Algés.
O problema? Depois da óptima ideia de basear boa parte do concerto nos dois primeiros álbuns da banda, uma péssima ideia: iniciar o encore com uma versão acústica de Imagine de John Lennon, com Eddie Vender a solo na guitarra acústica. Um kumbaya totalmente dispensável que ia matando o ambiente e que roubou espaço no alinhamento a raridades como State of Love and Trust.
A nossa sorte é que o vento trouxe melhores palavras e guitarradas de Vedder e companhia: Black passou de xaropada a destaque da noite e, para se manter a intensidade, Do The Evolution (e o seu grande videoclip nas projecções). Num festival chamado “Alive” naturalmente que a canção homónima, daquelas de top 10 da banda, tinha de figurar e toda a gente – banda e público – tinha de fazer boa figura nas cantorias, que aquela melodia é de respeito.
Tendo já conquistado o mérito de o concerto figurar na lista de melhores do festival e do ano, os Pearl Jam tiveram, com um estoiro de versão de Rockin’ in the Free World, o condão de nos recordar uma actuação magistral que teve ali lugar em 2008, a do tio Neil Young, com o qual colaboraram em Mirror Ball (1995), num encontro de gerações que só engrandeceu a aura de ambos.
Aura essa que em Portugal é do tamanho da ZEE, seja pelas saudações aos amigos surfistas lusos como Saca, Bubas e o seu menino, seja pela incursão pela história da família de Kenneth “Boom” Gaspar, teclista havaiano de origem portuguesa que há muito que acompanha a banda ao vivo (e não só), agora regressado a casa, segundo Eddie Vedder.
Ora, se desta vez nos safámos de entulho como Better Man ou Last Kiss, como despedida não podia ter sido escolhida uma canção mais desenxabida e desinteressante do que Yellow Ledbetter (Yellow Mehbetter, sinceramente), apropriada para destruir todo um clímax de duas horas. Se bem que um cancioneiro rico como o da banda de Seattle obrigaria a uma set list gigantesca, esta escolha revelou-se um erro – só não o seria se houvesse mais canções para tocar.
No entanto, nem isto borrou a pintura da nostalgia num concerto que acabou por ser uma bênção, palavras do próprio Eddie Vedder: “obrigado e boa noite, fomos abençoados porque vocês nos abençoaram”. Palavra de antigo profeta.
Ite, grunge est.
Depois de três dias díspares nos nomes mas unidos no gabarito das actuações, acabava a nossa campanha no NOS Alive 2024. O previsível desgaste de aturar multidões acabou por não ser assim tão grande (ainda que menos mas melhores espectadores não trouxessem mal ao mundo) e a música saída dos PA valeu a pena, fosse quando um palco estava transformado num honky tonk de beira de estrada, numa pista de dança gigante, em revivalismo rockeiro ou numa variante que vai dar a um tasco onde se almoça com Isaltino.
Até para o ano, podendo.