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No mundo volátil da música popular, os sobreviventes não são bem aqueles que mantêm actividade por um longo período de tempo, mas aqueles que se mantêm relevantes – por força da sua obra ou porque caíram em graça, ou ambos. Os Pixies, banda de Boston que vai na sua segunda encarnação, são sobreviventes da música popular. Dos grandes.
Na fita do tempo dos anos oitenta, descendem dos Replacements, Hüsker Dü (que até constaram no anúncio de procura de membros para o grupo), R.E.M. e dos Sonic Youth, tendo-se tornado, por si, num pára-raios para outras bandas, passando o testemunho em matéria de banda influente aos Pavement, após a sua dissolução em inícios de 1993. Após a reunião, em 2004, perderam Kim Deal em 2013 (Paz Lenchantin ocupa agora o seu lugar) e lançaram uma sucessão de álbuns (com Doggerel a caminho); se os álbuns da segunda encarnação deixam muito a desejar, certo é que a banda continua a somar e a seguir ao vivo desde então. E a conseguir esgotar festivais, como se viu em Paredes de Coura.
Uma discografia como a dos Pixies tem mesmo muito por onde pegar, com especial afeição por canções que dão formidáveis pontapés de saída – a nossa versão com doze anos e o seu Walkman que o digam. E foi esse o caso de Gouge Away.
Arrastando a introdução como que já a antecipar uma reacção da imponente multidão, a primeira nota a tirar no que passa por refrão na canção é que a voz ora estridente, ora melódica e frágil de Black Francis está na mesma, isto é, no ponto que nos fez adorar a banda em disco. O grupo está coeso e é uma máquina bem oleada e despojada: de projecções e demais adereços de palco e de comunicação por tudo e por nada com o público.
Uma sequência e pêras de Wave of Mutilation, Debaser, Broken Face e Crackity Jones acordou definitivamente a plateia, em especial a geração que os viu na sua primeira vida. É impossível ficar indiferente a Debaser, interpretada fielmente e símbolo do substrato mais intelectual/surreal da banda, com a imortal referência a Un Chien Andalou, de Luis Buñuel. O concerto corria bem e não era preciso ninguém cortar globos oculares.
Alguma coisa havia de falhar, contudo. David Lovering, o baterista desde o início do grupo (e mágico de serviço em concertos de Black Francis a solo) mandou um prego em Isla de Encanta, prontamente varrido para debaixo do tapete. Continuando na secção de ritmo, é inegável que Kim Deal é insubstituível; o seu carisma, humor e linhas de baixo são pedra angular do som dos Pixies. No entanto, Paz Lenchantin, tecnicamente melhor do que Deal, cumpre bem em Gigantic. Um grande, grande amor foi a reacção do público ao seu desempenho.
De facto, havia unanimidade no apreço, mas diferença nas reacções. As gerações mais novas moshavam (ou faziam crowdsurf num barco insuflável) e cumpriam a tradição dos cartazes pintados à mão dos festivais grandes, lendo-se num deles “vocês são a razão porque tenho Spotify Premium”, ao passo que os mais entradotes cantavam todas e mais algumas e faziam o faux pas de tirar fotografias e gravar vídeos recorrendo ao flash (não o façam, é inútil e a nuca do próximo não precisa que a iluminem).
A grande pecha do concerto dos Pixies não foi a execução per se. Foi, outrossim, o excesso de canções deste segundo período no alinhamento; nenhumas causaram mais do que um tamborilar de dedos e boa parte é um valente bocejo, um olhar para o relógio, uma ida ao feed das redes sociais e uma espera por algo que seja Pixies à séria.
E, enfim, a salvação, com a vinda do homem. Aqueles marotos acordes, Black Francis a cantar “Outside there’s a box car waiting” e sentimo-nos transportados para uma noite de revivalismo 80s numa discoteca, com toda a propriedade. Assim, sim.
Sucediam-se os clássicos: There Goes My Gun, Caribou, Monkey Gone to Heaven, Bone Machine e por aí fora. Quer Surfer Rosa, quer Doolittle são os discos cimeiros da carreira dos Pixies e é daqui que saem as maiores ovações – e talvez porque haja membros da Mocidade do Padre Albini na plateia. Vagar houve para a outra versão de Wave of Mutilation e, para compor o ramalhete, coros e mais coros em Where Is My Mind?.
Como sobreviventes que são, têm também de tocar umas versões: Head On de The Jesus and Mary Chain e Winterlong do tio Neil Young, canção de fecho. E, finalmente, a banda mostra afecto: uma vénia antes da saída de palco.
Para além de sobreviventes e após trinta e duas canções sobejamente interpretadas, os Pixies provaram que são também uma instituição do rock alternativo. As suas idiossincrasias – berreiro de Black Francis em inglês e castelhano, as linhas de baixo, a montanha russa de velocidade – são evidentes e constituem a sua identidade, que já atravessou gerações.
Óptima despedida do palco principal nesta edição do festival courense. Não sabemos se o macaco foi mesmo para o céu, mas sabemos onde anda a nossa mente e que os Pixies são uma instituição.
P.S. – Para a próxima toquem a The Holiday Song e a La La Love You, só naquela.