Reportagem


Richie Campbell + Mishlawi

É esta partilha e generosidade em palco que fazem de Richie Campbell um artista maior

Altice Arena

02/02/2018


Existe uma hierarquia nos palcos portugueses e a Altice Arena, mais ou menos amada por uns e por outros, continua a ser por cá o expoente máximo na carreira de qualquer artista nacional, por isso a festa que por lá se fez na passada sexta feira foi bonita de se ver. A consagração merecida a Richie Campbell e uma porta aberta para o futuro promissor do colectivo da Bridgetown, com o rapper Mishlawi na primeira parte a fazer-nos acreditar que não deverá demorar muito para que em breve tenha também a arena reservada em nome próprio.

Encher a Altice Arena não é tarefa fácil, nem na lotação nem na proximidade com o público, e embora agora, em 2018, Richie Campbell tenha uma boa noção da sua base de fãs, do que quando em 2014 lotou com alguma surpresa o Campo Pequeno, o receio de ver a casa meio gás atravessou-lhe o espírito ao início e confessou-nos a meio do concerto uma conversa com Slow J em que lhe dizia que, se fossem menos de 8 mil pessoas ficaria triste, mas que se fossem 14 mil lhe pagava um jantar. Aposta ganha para o setubalense que nunca duvidou do sucesso que seria esta noite para Richie Campbell, assim como nunca duvidou que a música “Water” tinha algo de especial que, em boa verdade com a sua contribuição, será umas das músicas a marcar este ano e que fez transpirar e suspirar todos os presentes.

Richie Campbell atravessa agora talvez uma das fases mais interessantes da sua carreira, pelo menos para quem de fora o observa. Voz indissociável do reggae e do dancehall, estilos sempre um pouco à margem da realidade musical portuguesa, que o cantor conseguiu popularizar por cá e também lá fora, nas muitas digressões com a exímia 911 band, o seu recente álbum, ou mixtape como o próprio insiste, Lisboa, aventura-se em sonoridades bem diferentes.

Richie Campbell

Que a sua voz energética e explosiva do reggae poderia resultar tão bem neste registo mais suave de r&b com batidas africanas quentes foi uma surpresa boa e refrescante, mas não uma mudança tão radical como se poderia supor. Todo o concerto se equilibrou de maneira muito fluída entre os êxitos mais antigos e as novas faixas desta Lisboa, que ao vivo ganham uma energia contagiante. Com os momentos altos da noite nas várias participações, com Slow J a derreter-nos em “Water” e Plutónio para a sua “Não Vales Nada” e “Eyes Open”, a quem nem o pé partido o afastou desta noite, e de quem podemos esperar ainda novo trabalho este ano, como Richie brincou “ele só partiu o pé para dar aos outros rappers um avanço”. No entanto a participação mais “ternurenta” da noite foi para a pequena Beatriz que roubou todas as atenções e corações a dançar em “Slowly”, se quiserem saber o que perderam espreitem o vídeo oficial.

É esta partilha e generosidade em palco que fazem de Richie Campbell um artista maior, envergando sempre a camisola da Bridgetown, dividindo os holofotes com todo o talento da 911 band ou reconhecendo o mérito a Lhast, o produtor aos comandos desta guinada musical. E ainda uma partilha para com o público a quem os muitos “obrigados” não parecem suficientes nesta noite, sobretudo ao público que mesmo não entendendo as suas letras está ali presente, Richie Campbell tem consciência que cantar em inglês poderia nunca lhe ter garantido uma carreira de sucesso por cá, não fosse o seu público fiel.

E mesmo no encore, antes da obrigatória “Do You Know Wrong” a fechar a noite, uma reflexão sobre o momento actual que se atravessa na indústria musical, como em tantas outras, em que a internet mudou as regras do jogo, onde há oportunidades para que todos exponham o seu trabalho, se houver talento e mérito “nenhuma rádio, nenhuma editora vos pode dizer que vocês não têm direito a um palco destes”. E na passada sexta feira nós fomos testemunhas disso.

Galeria


(Fotos por Hugo Rodrigues)

sobre o autor

Vera Brito

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