Reportagem


Spiritualized

Praia Fluvial do Taboão? Nada disso, Estação Espacial do Taboão, para ficarmos mais perto de Deus.

Vodafone Paredes de Coura

16/08/2019


© Hugo Lima

Nem 22h45 eram e já se estava em contagem regressiva para o regresso a palcos nacionais dos Spiritualized, bebé de Jason Pierce (ou J. Spaceman), numa Praia Fluvial do Taboão que se transformaria, por mais de uma hora, em Estação Espacial do Taboão. O foguete Pierce-VIII aqueceu os foguetes e levantou voo rumo ao espaço à vertical do palco Vodafone. Abracem-se e segurem-se uns aos outros, que não há cintos de segurança, só acordes e arranjos imensos.

Tantos little johnnies e marys que saltaram para o concerto e que agora se encontram na triunfante descolagem em Come Together, de Ladies and Gentlemen We Are Floating in Space, registo magno dos Spiritualized. É chavão dizer que este é um Evangelho espacial, mas com o trio de coristas e a pose professoral de Pierce, é inegável chegar a essa conclusão; começar um concerto com uma malha que podia ser o fim não é para quaisquer uns.

Pierce apresenta-se sentado, com a pauta à frente e pilotando uma Fender Telecaster, coadjuvado por uma tripulação composta por mais dois guitarristas, um baixista, teclista, coro de três elementos e baterista. Depois do campo de asteróides veio a calmaria de Shine a Light. Que belo encontro, o dos acordes de guitarra com o coro.

Uma lindíssima Soul on Fire encandeia todos, não apenas com a luz vinda do palco, mas com o luminoso e orelhudo refrão. A aparente fragilidade física de Pierce – sentado e curvado e mal falando entre canções, depois de anos de má vida e problemas de saúde – é, até aqui, uma ilusão. No entanto, faltava um pouco de turbulência, um pouco de voo de Millennium Falcon, de space rock à séria e que lembrasse os Spacemen 3, a banda que revelou o reverendo Pierce ao Mund-, Universo.

Ora bem, era tempo de She Kissed Me (It Felt Like a Hit), que atingiu esse mesmo fito, o do space rock diabólico e dançável. A fragilidade da vida (e do coração) é tema recorrente na banda e A Perfect Miracle (de And Nothing Hurt; Fat Possum, 2018) assentou que nem uma luva neste estado de espírito. Tal como I’m Your Man, onde Pierce reconhece que podia ser melhor gajo, mas que tem uma cartilha de amor imbatível.

Lá em cima, as spidercams não passam de satélites nesta órbita turbulenta mas bela e o som propagava-se sem grande mácula. Músicas como Oh the Sunshine Damaged – ambas do último disco – providenciam o maravilhoso contraste da obra da banda; a primeira operática e épica e a segunda uma balada narcótica movida a mel como só Pierce sabe compor. A letra desta tanto pode ser sobre a dor de alma de uma ruptura amorosa como do festivaleiro típico depois de um dia de demasiada folia: “And I wanna just take my time, feel like I’m broken, and I’m laid out and dying”. Haja quem os compreenda.

Se depois desta vos cair uma lágrima, digam que foi da condensação no interior da nave ou assim. Ressalto emocional com The Morning After e nova descida vertiginosa em Sail on Through. 

Enfim, a redenção e conclusão do voo ecuménico do foguete Pierce-VIII com o coro e Pierce a plenos pulmões e corações ao alto com Oh Happy Day, hino religioso do século XVIII aqui decalcado da versão de Edwin Hawkins. Aterragem deliciosamente turbulenta e triunfante com esta gloriosa exaltação do Evangelho original.

Estávamos todos felizes com o regresso à órbita do planeta Paredes de Coura e enxugámos as lágrimas, perdão, a condensação ocular, porque tudo o que é bom acaba sempre.

Obrigado, Jason Pierce e respectiva tripulação.

 

ALINHAMENTO
Hold On
Come Together
Shine a Light
Soul on Fire
She Kissed Me (If Felt Like a Hit)
A Perfect Miracle
I’m Your Man
Let’s Dance
On The Sunshine
Damaged
The Morning After
Sail on Through
Oh! Happy Day (Edwin Hawkins Singers)

 


sobre o autor

José V. Raposo

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