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Parece mentira mas já passaram cerca de dez anos desde a primeira vez que ouvimos Stereossauro reinventar nos pads no seu MPC a guitarra portuguesa de um dos mais importantes (senão mesmo o mais importante) marcos da música portuguesa: “Verdes Anos” de Carlos Paredes. Desde então que a sua versão tem corrido mundo nas muitas rotinas dos Beatbombers, juntamente com DJ Ride, somando prémios e elogios, e deixando a certeza de que esta aventura electrónica pela tradição do fado era algo que imperava ser explorado mais a fundo.
Bairro da Ponte, editado no início deste ano, veio por fim preencher esse vazio e se, por um lado surpreende que mais ninguém o tivesse feito até agora, por outro, observando o resultado final desta epopeia musical de Stereossauro e de todos aqueles que convidou para a sua narrativa, sabemos bem que mais ninguém teria sido capaz de o fazer desta forma, com tamanha devoção, generosidade e coragem – preferimos até que ninguém o tenha tentado. Como disse Slow J, que juntamente com Papillon e Plutónio proporcionaram a maior surpresa da noite quando subiram ao palco na apresentação no Lux para “Nunca Pares”, o novo disco de Stereossauro é um clássico: depois deste mais ninguém vai fazer igual.
A noite começou com a questão fundamental que as 19 faixas de Bairro da Ponte colocam: “Perguntaste o que era o fado, onde mora, em que rua?”, pela voz soberana de Paulo de Carvalho em “Novo Sal”, que nos aparece em vídeo no ecrã ao fundo do palco (a lista de convidados em Bairro da Ponte é tal que dificilmente conseguiremos ver reunida para um mesmo concerto). “Eu não sei nem sei quem saiba, sem reposta continuas. Eu do fado não sei nada. Novo sal é o que procuro, canto à nova madrugada, com saudades do futuro” responde-nos, na mesma estrofe.
Quem sabe afinal o que é o fado? Se para muitos o fado sempre foi sinónimo de tradição, passado e melancolia, atrevam-se agora a vê-lo com diferentes olhos: visionário, arrojado e pulsante. Um fado ainda mais português porque é capaz abraçar toda a sua herança, todas as suas raízes, como os ritmos cabo-verdianos de “Só Sodade”, com Dino d’Santiago também em vídeo. Um fado capaz de nos levar ao passado da mesma forma que é capaz de nos lançar no futuro, como na versão incrível de “Barco Negro”, onde Amália Rodrigues e DJ Ride nos arrepiam a pele e nos deixam em espaço temporal incerto. Um fado também capaz de olhar o presente nas rimas acutilantes cuspidas por Chullage em “Fffff”: “Fado, Futebol, Fátima, Festivais e Facebook/ Tudo é hip-hop, tudo é pop tudo é hype/ Tudo isto é fado” – Chullange ou Sr. Preto, como mais recentemente assina e um dos convidados do disco presentes em palco, teve a interpretação mais feroz da noite, sob o olhar vigilante de Amália Rodrigues.
Ao palco do Lux subiu também a doce e irradiante Gisela João para a dolorosa “Vento”, porque o fado será sempre uma das mais fortes expressões musicais capazes de amparar corações abandonados. NERVE, poeta maldito “uno com o breu”, foi outro dos convidados, depositando todo o seu negrume sobre as guitarras portuguesas em “Ingrato”: solidão, tragédia, drama – nunca se ouviu um fado assim – que contou com uma demonstração monstruosa de scratch de DJ Ride, que fez cair o queixo a todos os presentes. No final Stereossauro até atirou em tom de brincadeira: “também não era preciso tanto!”.
DJ Ride e Stereossauro são únicos, ao mesmo tempo que indissociáveis para todos nós, porque se nesta noite a razão foi a apresentar Bairro da Ponte que, para além dos muitos convidados, teve também a bateria de Nuno Oliveira e o baixo de Bruno Fiandeiro, houveram também momentos para focar a nossa atenção exclusivamente na dupla de DJs: Beatbombers, porque é na pele de DJs que antes de mais se assumem. A noite acabaria mesmo com a obrigatória “Verdes Anos”, seguida da rotina que lhes valeu a segunda vitória no IDA World DJ Championships, num Lux esgotado, misturado, feito de pontes improváveis, com becos e ruelas onde todos se cruzam, onde não há estranhos ou intrusos – um bairro onde mora o fado com saudades do futuro.