//pagead2.googlesyndication.com/pagead/js/adsbygoogle.js
(adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({});
Ao segundo dia do Super Bock Super Rock o hip hop dominou e o português foi a língua rainha. Slow J deu o melhor concerto do dia e encheu a casa de amigos ou, como o próprio gosta de dizer, de família. Por este andar o rapaz das margens do Sado vai precisar de aumentar a casa, anexar divisões, esticar o quintal, porque a família cresce a olhos vistos a cada concerto seu. O Super Bock Super Rock já deu conta disso e Slow J já tem lugar reservado para edição do festival em 2018, agora no palco principal, como previmos sem o auxílio de qualquer bola de cristal, apenas com base no talento bruto do rapper. A passos lentos, mas galopantes para palcos cada vez maiores, depois disto onde é que o Super Bock Super Rock o vai encaixar nos anos vindouros é aquilo que todos queremos saber.
Para além de Slow J, outro dos grandes concertos da noite foi protagonizado não por um, nem dois, mas por quatro rappers de excelência que se uniram em torno da língua de Camões, com um objectivo comum – a lusofonia. Os Língua Franca pretendem fazer do Atlântico um pequeno rio que todos possamos cruzar, encurtando as milhas marítimas que separam Portugal do Brasil. Capicua e Valete na margem de cá, Emicida e Rael na margem de lá, deram um concerto interventivo, porque o rap, como Capicua nos lembrou “é para dizer coisas boas mas é também para servir de megafone” e não repetir os erros do passado. Muito sal em feridas feias, como corrupção, violência contra as mulheres, preconceito ou discriminação, não com o propósito de apontar o dedo, mas sim o de encontrar soluções.
Mais corrosivo, no palco LG, foi Keso, o rapper portuense é conhecido por poucas, ou melhor, nenhumas papas na língua, à boa moda do norte. O próprio reconhece o efeito das suas rimas em ouvidos virgens quando nos diz com ironia “também compreendo as pessoas que nunca ouviram estas letras… alguém já está com vómitos?”. O rapper é capaz de atirar coisas como “mama que desse mama ao menino, mas tive dentes, dentes para trincar o que eu tenho e por muito que eu os lave, ninguém me acusa de branqueio”, que são capazes de chocar ao mesmo tempo que confundem mentes mais tacanhas – o efeito Keso que tanto nos diverte observar.
No mesmo palco também os irmãos Octa Push, com a participação habitual de Lula’s, Cachupa Psicadélica e Cátia Sá, relembraram-nos de um dos nossos discos favoritos de 2016 – Língua – uma feliz coincidência linguística que vem reforçar o que já aqui dissemos – o melhor neste segundo dia de festival aconteceu em português.
Falemos agora do que aconteceu em inglês. Como é que Pusha T, nome de peso no hip hop internacional, que já tem no currículo colaborações ao lado de nomes como Jay-Z ou Kendrick Lamar, é colocado às 17 horas naquele que, assumimos, pretende ser o dia do festival dedicado ao hip hop, quando no palco principal vemos The Gift e London Grammar ocupar os lugares antes de Future, é algo que o Super Bock Super Rock ainda vai ter de nos explicar. É que já nos bastou o cancelamento de Tyler, The Creator. E quando vimos o público quase a dormir na fresquinha MEO Arena em The Gift, não pudemos deixar de nos sentir frustrados ao lembrar como Pusha T conseguiu pôr toda a gente a saltar às cinco da tarde, debaixo de um sol abrasador.
Os sorrisos mais bonitos do dia, a par do de Slow J, vieram da canadiana de raízes açucaradas da Colômbia, essa pequena guerreira Jessie Reyez. O seu timbre de miúda por vezes doce, outras rasgado, leva-nos a tecer leves comparações com a também enganadora frágil voz de Björk. Jessie conquista-nos a todos num ápice, na naturalidade com que nos conta histórias suas, como se fossemos já velhos amigos. Visivelmente emocionada com a recepção portuguesa, sabemos que acabámos de a conquistar também – Jessie é outra que irá lá fora espalhar a palavra de que o público português é o melhor do mundo.
O prémio de artista mais comunicativo vai para Akua Naru. Vezes houve que nos pareceu que a norte americana falou mais do que cantou, e não pensem que dizemos isto como crítica. É refrescante poder ver alguém em palco que nos faz pensar, capaz de nos levar ao seu imaginário com a força da música.
Falta-nos falar de Future. Parece que por esta altura ainda ninguém percebeu bem o que aconteceu no concerto do norte-americano. Sentimos que entrámos em território estranho e desconhecido, sabendo que muito provavelmente vislumbrámos o futuro e não estamos convencidos de como nos havemos de sentir em relação a isso. Sozinho num palco despido de qualquer adereço, acompanhado apenas de três bailarinos (existe algures um DJ escondido nos bastidores que vai também ele puxando pelo público mas que nunca se deixa ver), Nayvadius DeMun Wilburn – que no hip hop responde por Future – murmurou rimas noite fora para uma MEO Arena também ela dividida. Se mais à frente o público apertado de braços no ar não parava de saltar, cá atrás o recinto meio vazio parecia atordoado como se tivesse levado uma descarga eléctrica de um taser. Não sabemos se gostámos, não se sabemos se odiámos, o melhor talvez seja mesmo deixarmos o futuro no futuro, porque o presente diz-nos que amanhã temos mais um dia de festival pela frente.