Reportagem


The Casualties + FPM + Dr. Bifes & Os Psicopratas

RCA Club

03/06/2018


Outro domingo, outro concerto de hardcore no RCA. E sim, é difícil pensar em introduções diferentes sempre que há um destes. Para quem nos esteja a ler pela primeira vez, é favor botar “RCA” na barra de procura para um catálogo documental da nossa relação com esta casa.

Desta feita, a noite seria dedicada ao exército dos The Casualties, nome com quase três décadas de história punk para contar. No capítulo mais recente há a saída do super sayan de dentes tortos, Jorge Herrera, que cedeu a frente do palco a David Rodriguez. Seria este um dos pontos de interesse do concerto, mas não nos adiantemos.

Ao entrar na sala de Alvalade já ouvíamos as rajadas de baixo e guitarra que vinham do palco. O trio que compõe os Dr. Bifes e os Psicopatras apresenta-se em palco como a progenitura bastarda dos Misfits e das senhoras do talho do Intermarché de Vendas Novas.

Há que lhes admirar o compromisso com a indumentária. Se pintas a cara de branco e usas uma bata de médico/açougueiro ensanguentada é bom que traduzas isso numa postura quasi-demente. E o trio consegue-o.

Mais importante, é que apesar da “gimmick” funcionar, ela é emparelhada com talento musical que sustenta a performance. Claro, ajuda ter temas com a qualidade poética de “Azar do Caralho,” “Vocês São Feios Como o Caralho,” ou a politizada, “Farmácia Eutanásia.”( Bem vindos a 2018, ano em que três jovens em maquilhagem à Kiss e batas cobertas de sangue falso – calças não obrigatórias –   têm opiniões mais sensatas sobre este tema que o PCP).

O público ainda era pouco e estava hesitante em manifestar-se. A festa fez-se na mesma, mas foi uma das noites de menos afluência que já presenciámos. “Vemo-nos no Inferno,” despedia-se assim a banda “que veio do fundo do caixote do lixo” para dar lugar aos Feio Porco Mau (FPM), que começou o concerto com tão pouco aparato que não tínhamos a certeza se era um soundcheck de última hora.

Para além de termos sido apanhados desprevenidos ainda tivemos que processar de repente a dissonância cognitiva entre a figura magra que evocava a voz de um monstro que fazia três vezes o seu tamanho.

O que nos leva à questão: é controverso dizer que o vocalista dos FPM é o melhor vocalista de hardcore do país?  É uma questão legitima; a nossa amostragem não compreende sequer 25% de todas as bandas deste universo, mas temos a nossa fasquia elevada por bandas que dão espetáculos ao vivo incríveis e vocalistas tremendos. No entanto, aquela “entrega de corpo e alma” que já elogiámos é muitas vezes o resultado de um esforço vocal para alcançar os guturais e “squeals” que o género implica. Mas este tipo parece que seria capaz de sacar todas essas técnicas enquanto faz um frete. Nunca há aquelas pequenas quebras que deixam a voz inadulterada escapar-se. Portanto, perguntamos: É o melhor? Está na discussão como um dos melhores? Há uma discussão?

Provavelmente não. Mas todos os +1 para este MVP.

“Façam barulho, não tenham vergonha,” incitava-se em palco uma e outra vez “Isto é um concerto de punk rock.” Um mosh lá surgiu a medo, mas sem grande consequência, ainda que o número na assistência tivesse inflacionado ao longo do concerto. De resto, destacamos temas como “Já Estou Farto,” “Pelas Ruas” e “Coma” que em qualquer outra noite abriria o mercado de rotativos e pontapés.

O concerto termina com agradecimentos – porque há que explicar que não há uma correlação entre corpos a atirarem-se uns contra os outros e o quanto se aprecia um concerto –, os FPM saem de palco e levam a nossa medalha oficial – inventámos agora – para surpresa da noite.

É a vez dos The Casualties pisarem o palco do RCA.

Inserir piada sobre uma banda com “casualties” no nome já não ter nenhum dos membros originais

“Menos luz, mais fosso da morte,” seria a missiva da noite. Numa noite em que tivemos bastante a dizer sobre vocalistas, David Rodriguez não se fez rogado ao tomar as rédeas do certame. Entrou em palco com o pedal a fundo e quando as hostes não aceleravam movimentos cá em baixo veio o próprio fazer a festa junto do público.

Duas observações: Primeiro, Rodriguez é melhor vocalista que Herrera (não nos batam, cada um gosta do que gosta, mas afinação e alcance vocal são critérios objetivos). Segundo: É baixinho. Mesmo. O que é testemunho da postura imponente que tem em palco, porque foi preciso tê-lo ao nosso nível para o perceber. Ou pode ser da crista.

Daqui para a frente o público, já mais bem composto, estaria completamente investido e mais solicito para pedidos de mosh e paredes da morte. “This song is called ‘Riot’; wait and then rush,” deu o mote ao caos.

Vamos nunca esquecer de mencionar que é nestes concertos, nestes espaços, com estas bandas que a Música – com éme grande – respira e vive. A comunhão entre fãs e músicos nunca é noutros palcos o mesmo que estares frente a frente a um dos teus artistas favoritos a cantar “We Are All We Have Tonight”. Nem o cheiro ao excesso de humanidade que precipitava para o microfone te incomoda.

Mas é isto um concerto dos The Casualties. É esta a norma. Apostamos que até os shots que a banda emborcou em palco também.

O concerto termina após um esforço tremendo que deu frutos e pôs o RCA em tumulto.

Galeria


(Fotos por Hugo Rodrigues)

sobre o autor

Jorge De Almeida

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