Reportagem


Tramhaus

Com a sedução e a destruição dos Tramhaus vimos o futuro.

Vodafone Paredes de Coura

16/08/2024


© Hugo Lima www.fb.me/hugolimaphotography

Uma tecla na qual batemos frequentemente é a de contestar a imbecilidade da convicção, algo generalizada em certos sectores dos fãs de música com guitarras eléctricas, de que “Já NãO sE fAz RoCk CoMo DeVe SeR”. Por todo o acervo aqui da casa e, sobretudo, do que tem saído nas últimas décadas desde, por exemplo, o estertor do grunge ou a fugacidade do nu metal, não faz sentido perorar que a música popular acabou – o problema é TODO de quem não faz um esforço para descobrir coisas novas.

A MTV, o Top+ e parte da rádio foram substituídos pela Internet como principal meio de difusão de música nova; desde a Deutsche Grammophon até à mais underground das editoras independentes (no Ocidente ou noutras paragens, como a Amarrass na Índia), sem Internet praticamente não se existe na música, salvo como fenómeno local. Por sua vez, o passa-palavra, esse meio do mais tradicional que há, continua relevante. Até porque foi assim que ouvimos falar dos Tramhaus, para logo de seguida seguirmos para o seu Bandcamp.

O quinteto composto por Lukas Jansen, Nadya van Osnabrugge (guitarra), Julia Vroegh (baixo), Micha Zaat (guitarra) e Jim Luijten (bateria) formou-se em 2021, em tempos de confinamento pandémico. Tal nota-se na sua música, que assume contornos de bichos enjaulados que fugiram e que berram a sua libertação por tudo o que é canto.

Discípulos sónicos dos míticos The Ex e fazendo parte de uma nova vaga de bandas neerlandesas óptimas na qual também pontificam os Rats On Rafts, os Tramhaus representam o que de melhor o rock europeu tem para dar nos dias que correm.

Não que se acredite no paranormal, mas ainda antes de o concerto começar, quando a banda estava num soundcheck tardio e Lukas Jansen fitava o público (leia-se: lhe tirava as medidas) de cerveja na mão e o baterista Jim Luijten se passeava de malho na mão (e mostrava um frondoso mullet), já se tinha uma certa sensação de que valeria a pena aguentar até às quatro e meia da manhã para apanhar o último concerto da noite – daí a minutos aconteceria um episódio fundamental desta edição do festival.

E foi mesmo isso que sucedeu. Ao fim dos quatro minutos de Once Again, primeira canção do alinhamento e uma mostra de extremos, surge a convicção de que serão uns cinquenta minutos imaculados em agressividade, malandragem e êxtase, ingredientes fundamentais para um concerto de guitarras memorável.

Jansen, maestro da rebaldaria, é um multiplicador de força da banda e reúne todos os elementos de um vocalista de grande calibre: o marialvismo à Iggy Pop, o contorcionismo raivoso de Guy Picciotto e Cedric Bixler-Zavala e uma capacidade para berrar digna de Henry Rollins ou John Brannon. O palco Yorn é o mundo de Jansen e dos Tramhaus e nós somos seus inquilinos.

Jansen sussurra, em Seduction, Destruction, essas duas palavras que perfazem um verso e que tanto definem os Tramhaus como banda ou definem a sequência de início e fim das relações amorosas. A atracção gerada pelos acordes e a destruição através do noise numa brutalidade post-hardcore que se abate sobre Coura como a chuva se abateu noutras edições, como um ardor frenético contagiante. São assim os Tramhaus, banda mais entrosada do que as selecções holandesas de Cruijff, Gullit, Van Basten e Bergkamp.

Do post-hardcore foi-se para o post-punk de Beech e de Minus Twenty, esta o mais parecido que a banda tem de uma balada. E a plateia a lixar-se bem para isso, que tivemos de continuar a ter cuidado com pessoas a passarem por cima de nós no crowd surf (ossos do ofício) e perdemos a noção do tempo; apesar de estarmos perto do fim do concerto, mais parecia que estávamos num concerto de duas horas de uns veteranos calejados.

Uma última salva com Fleur Hari para acabar em bruta beleza e mandar tudo para tendas, para últimos finos da noite ou para uma tripa para a ceia. Saciados de decibéis já todos estavam.

Os Tramhaus já não são um segredo bem guardado no meio dos canais neerlandeses (e hoje nem foi a estreia por cá). A partir desta madrugada tornaram-se num tiro de canhão ouvido por toda a Europa com os ouvidos atentos. O mais curioso e revelador no meio disto tudo? O álbum de estreia, The First Exit, só sairá dia 20 de Setembro.

Com a sedução e a destruição dos Tramhaus vimos o futuro. Venha ele.


sobre o autor

José V. Raposo

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