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Quinto e último dia de festival. O dia extra deste ano pesa já qualquer coisa no lombo e está na hora de começar a fazer a mala, não sem antes de se queimar os últimos cartuchos. Dia com lotação esgotada e de nomes históricos (Pixies), nomes que se estão a fazer à velocidade da luz e que qualquer dia estão no palco principal (Perfume Genius, Yves Tumor & Its Band e Tommy Cash) e novidades com interesse (Xenia Rubinos e Far Caspian).
Far Caspian
Ao projecto do irlandês Joel Johnston coube a tarefa de ser a última banda para se ver sentado no anfiteatro enquanto a tardinha vai acabando. De inspiração indie a puxar para o jangle e com uns traços de Elbow e de The Veils (sem o dramatismo destes, contudo), tinha consigo uma banda discreta e competente.
Johnstone e sua banda dizem-se inadaptados ao calor e que Portugal é mais bonito do que a Irlanda (pelo menos o Alto Minho será tão verde quanto a Irlanda, retorquimos), sacando uns sorrisos e uns ombros seguidores do ritmo e uns pescoços das melodias de canções como Between Days e Questions.
Ao contrário dos compatriotas de Johnston Murder Capital dois dias antes, os Far Caspian não apresentaram nada de muito desafiante, mas que para concerto de fim de tarde num dia em que haveria o desgaste da enchente foi uma proposta aprazível.
Xenia Rubinos
Embrulhada num plástico à la Björk, Xenia Rubinos, autora norte-americana com raízes em Cuba e em Porto Rico, apresenta-se como uma incógnita. Prontamente acompanhada e desembrulhada por Marco Buccelli, percussionista e chef executivo dos sons, começa a revelar que a sua actuação será uma tela.
A “pintura” desta tela progride, com Buccelli a puxar um pano vermelho do peito de Rubinos que fez lembrar um cachecol de clube esticado ao alto em dia de jogo. O seu significado? Apostamos numa metáfora sobre um coração levado aos limites pelas vicissitudes da vida – com inspiração em Frida Kahlo.
Rubinos esforça-se intrepidamente por vários territórios como o r&b contemporâneo e a pop experimental (ênfase aqui), conferindo-lhes um toque afro-cubano, cantando em castelhano e inglês, por vezes na mesma canção. Não sendo do reggaeton ou da cumbia, nem por isso deixa de ter um pouco de perreo, como em Sacude: “[…] Sacude, sacude y Diós que me ayude! […]”.
Não é só a parte instrumental que é multifacetada; também a voz de Rubinos é elástica, ora grave, ora atingindo timbres de monta, como se de uma entidade metafísica se tratasse. Tudo sem esquecer um lado activista, que se ouve em Diosa, composição de libertação da mulher: “Diosa, reina, chula, bella”.
No cômputo geral, corria bem a tarde de Xenia Rubinos. A recta final foi, infelizmente, afectada por debandada geral para o palco principal e, aí começado o concerto de La Femme, o som destes ter abafado o concerto da norte-americana. A intrepidez não cessou até final e esta, sorridente, fez uma vénia e despediu-se de Coura.
Perfume Genius
Minutos antes da entrada em palco de Mike Hadreas, mais conhecido como Perfume Genius, alguns indagavam-se se o norte-americano apostaria em mostrar o seu último disco, Ugly Season, ou se levaria a cabo algo completamente diferente. O dito álbum foi concebido como acompanhamento musical da peça de dança contemporânea The Sun Still Burns Here, de Kate Wallich, não sendo de fácil adaptação a uma banda ao vivo, para mais num cenário como o de um palco secundário de um festival de Verão.
Pois bem, o Mike Hadreas a que tivemos direito foi o da art pop musculada de Without You, de Set My Heart on Fire Immediately. Noutras canções, a Wreath tocada em Coura puxou mais para a guitarra do que para a pop mais sofisticada. Hadreas estava ali para bater o pé com lições de dança adjacentes ao seu último trabalho (por vezes auxiliado por uma cadeira) e para expulsar demónios, mentais e físicos – contou que as costas lhe têm dado água pela barba, mas que estar ali ajuda muito a curar a maleita.
Neste concerto de silly season não ficou de fora Ugly Season. Quiçá o cume do concerto, Eye in the Wall foi um belo momento de comunhão, a puxar para um glam rock ebuliente. E, para além de Hadreas, condutor deste veículo complexo que é o seu projecto Perfume Genius, quem mais foi artífice do lado guitarreiro foi Meg Duffy, guitarrista de excepção que em muito contribuiu para a excelência de concertos em edições passadas do festival, como o de Kevin Morby em 2018.
Expressivo e contagiante, o concerto de Perfume Genius findou com Queen. Como se disse acima, não deixou ninguém indiferente e é já uma certeza para edições futuras.
Numa pausa de cobertura e deambulando pelo recinto à hora de Princess Nokia, de repente emergiu das colunas do PA uma série de êxitos eurodance, como Barbie Girl dos Aqua ou Sandstorm de Darude. Pelos vistos, dez minutos de eurodance serviram de aquecimento para o concerto da rapper norte-americana, que deste modo começou a levantar poeira.
Yves Tumor & Its Band
Perfume Genius ilustrou uma maneira diferente de ver a música de guitarras no seu concerto e Yves Tumor (abençoado no bilhete de identidade com o nome de Sean Bowie) e sua banda não lhe ficaram atrás. Prego a fundo com o romance urbano-trágico de Jackie e Romanticist.
Os paralelismos com o projecto de Mike Hadreas não se ficam por aqui: tal como versões rock do material, também Bowie procura exorcizar demónios em palco, mas para tal necessita – que pede e recebe – da energia do público. O pit não tira folga nem descansa para Pixies daí a pouco no palco principal, que também Yves Tumor e banda merecem toda a entrega.
Nestas interpretações mais atrevidas, Gospel for a New Century e Crushed Velvet explodem com uma secção de ritmo ribombante e com um trabalho de guitarra do melhor que esta edição viu. Tal como Meg Duffy com Perfume Genius, Chris Greatti faz um par demoníaco com Yves Tumor. De certa maneira, é como se Prince, um dos maiores da pop e guitarrista e tanto, se tivesse dividido em dois filhos predilectos.
Visualmente entre dois Eddies, Van Halen e Munson, faz todas as poses que um herói das guitarras deve fazer e, em cumplicidade com Tumor, termina o concerto nas grades, fazendo um pouco de crowdsurf enquanto tocava guitarra – a derradeira indulgência das estrelas do roque.
Por entre o carisma e a ambição de Tumor há que seleccionar um momento Kodak e esse foi Kerosone!, súmula da irreverência e garra desta fase da sua carreira. Despedida emotiva e, provavelmente, dos palcos secundários, que a partir daqui Yves Tumor só terá lugar em palcos principais.
Chegava a hora do nome grande da noite e o motivo pelo qual não havia um bilhete à venda: os Pixies. A banda de Black Francis e companhia já não punha os pés em Coura desde 2005 e, apesar de ter tocado em território nacional várias vezes desde então, originou uma enchente de quarentões e cinquentões que até aqui tinham andado a queimar tempo. Todos ao palco principal e a um texto próprio sobre a actuação dos Pixies.
Antes da banda de Boston ainda houve tempo para mais uma curiosidade: Slowthai fechou o seu concerto com Barbie Girl, dos Aqua. Se o saxofone foi o instrumento oficial desta edição, então o êxito eurodance foi a canção não oficial.
Depois de um longo e profícuo concerto dos Pixies, soou a Carvalhesa de Coura: All My Friends dos LCD Soundsystem. O já hino oficial do festival sinalizou o encerramento do palco principal com uma chuva de confetti e de balões e serviu ainda de placa de sinalização tácita no sentido de enviar quem quisesse ir para o palco secundário.
Tommy Cash
O sumo pontífice da javardice teve a missão de encerrar a participação de não-residentes (o residente sendo Nuno Lopes), missão que agarrou com unhas e dentes. Não é fácil categorizar o estónio (mas pertencente ao Mundo), mas uma proposta de categoria seria a de polímata pós-contemporâneo; se por um lado muito do seu material coloca-o no rap, a actuação começou com porrada a puxar para o gabber e, porque estamos no século XXI, a sua presença nas redes sociais e o uso que fazem da sua música mais parece uma peça surrealista-javardolas propícia para o TikTok. E nada de errado há nisso.
Lá atrás, nas projecções, um corrupio de vídeos e montagens com capas de jogos de vídeo de PlayStation 2 (a nossa nostalgia agradece) e de túneis algures nos intestinos de uma cidade europeia. Símbolos de um mundo paralelo ao do quotidiano, escapismo para mileniais, zoomers e para quem mais quiser entrar no mundo Tomm¥ €a$h.
O público já estava rendido e as mãos no ar eram prova disso. O festão era semelhante ao dos 100 gecs, mas ainda mais estranho e a resvalar para fumícios, como o de Pussy Money Weed e seu desfile, nas projecções, de mêmes relativas à folha verde que tem o seu dia a 20 de Abril.
As batidas à trap trouxeram não só pancada, mas também a reedição do exercício de saltos dos BadBadNotGood, rigorosamente controlado por Cash (“ei, ó mano da camisola branca, agacha-te também”), que procedeu ao seu melhor slav squat. Tudo aos saltos após contagem crescente e passagem rápida para Siri, que atirou Cash para a mesa de DJ mas levando o microfone consigo. Não há morcegos na bateria do telemóvel de Tommy Cash e descrever o momento é algo em que a Siri não consegue ajudar.
Retorno ao gabber e para uma última sessão de pit, com a companhia do DJ e do MC assessor de Tommy Cash. Neste recontro Coura-Tallinn-Holanda dos anos noventa deu-se o fecho, para nós, do Vodafone Paredes de Coura 2022. E que fecho.
Para quem ficou no recinto, seguir-se-ia Nuno Lopes, prata da casa que há mais de dez anos actua no festival. Para nós, seguiu-se o fecho do caderno das reportagens e a feitura da mala para o regresso a casa.
Regressos assim valem a pena.