//pagead2.googlesyndication.com/pagead/js/adsbygoogle.js
(adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({});
E pronto, eis o quarto e último dia desta edição do Vodafone Paredes de Coura. Últimos enregelamentos no rio, últimos finos no Xapas e últimos concertos (ainda que no dia seguinte houvesse DJ sets fora do recinto para os últimos resistentes) no anfiteatro natural da música. Curiosamente, foi o dia mais preenchido, com o correspondente paradoxo de qualidade e quantidade.
Hurray For The Riff Raff – Palco Vodafone
Depois de propostas a puxar para o dançável a abrir as jornadas, diga-se com toda a convicção que a country e a folk também ficam muito bem num final de tarde courense. Exemplo cabal de bolachascore (música de e para pessoas que passam demasiado tempo em bares de beira de estrada ou em cabanas), o projecto de Alynda Segarra caiu que nem ginjas – ainda que na frente do palco já não desse para cair de traseiro, porque já não havia relva nenhuma, essa agora só em 2025.
Concerto também para toda a família, que mesmo à nossa frente um zigoto colecciona bocados de relva seca, provavelmente a ser previdente para um projecto de colagem no ano lectivo que se avizinha. Já no caso de Segarra há um chumbo a Geografia a lamentar (outro clássico courense): estamos em Paredes de Coura e não no Porto, pá.
Sem meias-medidas, Segarra profere um “obrigado” num sotaque perfeito e canta sobre flores (RHODODENDRON) e sobre “pessoas atraentes e caóticas que só nos arruinam a vida e a gente até gosta disso” (Dynamo), competentemente acompanhada pela sua banda. Eis a folk-country da era da pós-ironia.
E no bolachascore se continuaria, rumando-se ao palco Yorn para a actuação de Palehound, projecto de El Kempner que se apresentaria em Coura em formato solo e acústico.
Palehound – Palco Yorn
Mais uma dose do referido bolachascore, agora num cenário mais intimista, algo já visto este ano com Joanna Sternberg no Primavera Sound Porto. A ausência dos demais elementos de Palehound só tirou volume ao material, porque a descarga emocional e o humor estavam todos lá, graças a El Kempner.
Líder do projecto, Kempner só precisou de uma guitarra acústica e de uma voz harmoniosa para nos falar sobre querer matar quem fez mal a alguém de que se gosta naquela que é uma das melhores canções do projecto, Killer. Acompanhada de palmas ritmadas pelo público, desengane-se quem acha que o concerto se ficou pela chonice.
O dedilhar na guitarra revela um domínio da melodia que, aliado às imagens bem vivas das letras de Bullshit e Eye On The Bat (esta um belíssimo conto de viagem estrada fora), resulta num sóbrio estrondo (passe a contradição) de concerto. Para o ano é para voltar com banda, faz favor.
Se o dia começou com calmaria, o volume e o ruído começariam a crescer a ouvidos vistos. Dos Hotline TNT para a frente seria uma sequência histórica, daquelas para contar numa noite de vila nas próximas edições.
Antes dessa empreitada, despendeu-se alguns minutos a ver o concerto de Baxter Dury, que bem que tentou encarnar o pai, Ian Dury, mas não chegou sequer perto. Alguma energia (incluindo uma espécie de invectivas) mas, tirando o sotaque pseudo-cockney de Dury (até nisso o pai era superior), não há mais nada para dizer.
Hotline TNT – Palco Yorn
Uma crítica disparatada a fazer a bandas como os Hotline TNT é a de que há muita coisa igual a eles. O disparate vem da falta de atenção em ouvir as canções em si mesmas em vez de desatar numa comparação imediata com outrem.
A banda de Will Anderson tem cinco EPs e dois (óptimos) LPs editados e não foi pela quantidade de edições, mas pela qualidade das mesmas que Jack White e a sua Third Man resolveram editar a banda de Nova Iorque. Este vosso escriba nem gostou muito de Cartwheel (2023) mas, após de uma Protocol com toda a gloriosa distorção que em estúdio é mais discreta, mudou de ideias.
Nem a lesão de um dos guitarristas, que o obrigou a actuar sentado e a deslocar-se de muletas, conseguiu beliscar o delicioso ruído de I Thought You’d Change ou Son in Law (na qual há espaço para a melodia). Anderson é comunicativo e puxa pelos lados da plateia como se fosse um capo de claque experiente, para logo de seguida voltar à sua Rickenbacker e estoirar concerto fora.
Não sabemos se alguma vez voltaremos a ver os Hotline TNT, mas deram um concerto de oito valores e tal em dez e para uma justa repartição de memórias desta edição do certame.
Na penúltima piscina deste Coura 2024, fomos ver essas lendas chamadas Slowdive que, fazendo jus ao título honorífico, terão texto próprio. Esta última noite começava a entrar na sua fase supersónica, com a quantidade de braço dado com a qualidade, com os The Jesus and Mary Chain a tirarem a próxima senha.
The Jesus and Mary Chain – Palco Vodafone
Vultos do ruído e da iconoclastia, a banda dos manos Reid já passou por muito, incluindo por um período de absoluta mediocridade ao vivo. Felizmente que tal maleita parece ultrapassada, que ainda há poucos anos lhes vimos um concerto fantástico no Coliseu dos Recreios. A ideia seria repetir a dose em Coura.
Com a plateia do palco principal a abarrotar, dir-se-ia que o entusiasmo pela banda escocesa era muito. Contudo, não foi bem assim, que se a ala mais velha recebeu quase com honras de estado o vendaval de noise dos Jesus and Mary Chain, a secção mais nova se manteve indiferente, salvo os fiéis das grades. Se para uns se calhar tudo o que foi feito depois de 1990 não presta, para outros se tem mais de dez anos então é coisa de velhos. Dispensa-se a prepotência de ambos, que por sua vez leva à ignorância.
O concerto não começou em 1985, mas em 2024; Jamcod, primeiro single de Glasgow Eyes (disco editado este ano) e que pende muito para uma ponte entre os Suicide e os Cold Cave. Luzes que transformam a banda de East Kilbride em mistério de sombras e aquele ruído que está na massa do seu sangue artístico completavam a mise-en-scène.
Por falar em sangue, um aviso na zona de imprensa sobre o concerto da banda determinava que Jim Reid, vocalista, não poderia ser fotografado de frente sob pena de este parar a actuação e sair de palco ou então de espetar um murro no prevaricador.
Um bonito (?!) mote para o primeiro (e bem puxado) de uma data de clássicos no alinhamento, Head On. O som de onde nos encontrávamos estava no ponto e Reid continua com força pulmonar para puxar pela voz (ao seu estilo) e aguentar a parada. O público mais experiente estava em delírio ao ver passar em revista malhonas como Happy When It Rains (este ano fomos felizes com a ausência de chuva em Coura, passe a piadola), Some Candy Talking, Darklands e I Hate Rock’n’Roll, um grande manifesto de iconoclastia.
Para entrar no fecho do concerto (e isto só ouvimos ao longe, que estávamos em posição para Superchunk), um bonito momento quase de cosplay do fim de Lost in Translation, com Rachel Goswell dos Slowdive a juntar-se a Jim Reid para cantar essa malha intemporal chamada Just Like Honey. Foi um mel do melhor para quem testemunhou o concerto.
Seguiam-se os Superchunk, provavelmente a banda mais importante deste cartaz de 2024 do Vodafone Paredes de Coura. Não sendo a maior (título que coube aos Fontaines D.C.) nem aquela que começou a influenciar outrem antes de todos (mérito repartido para os The Jesus and Mary Chain e os Slowdive), sem eles nenhuma banda mais recente de rock alternativo desta edição (e de várias outras) existiria; numa estreia nacional tardia (já sem a incrível secção de ritmo de Laura Ballance e Jon Wurster), o provérbio de que mais vale tarde do que nunca assentou que nem uma luva ao concerto da banda de Chapel Hill, que merece, obviamente, honras de texto próprio.
Prossiga-se, assim, para o concerto do maior nome do cartaz deste ano.
Fontaines D.C. – Palco Vodafone
Enquanto estávamos a meio da nossa última piscina entre palcos desta edição, vindos de um histórico concerto de Superchunk e com os Fontaines D.C. já em palco, começava a soar pelo recinto Jackie Down the Line, uma canção de Skinty Fia, penúltimo disco da banda irlandesa. A composição, que pode ser sobre um milhão de temas (relações Reino Unido-Irlanda, vícios da drogaria ou gente terrível), é sintomática da maturidade que a banda atingiu em tão pouco tempo, que passam apenas cinco anos desde a estreia com Dogrel, um disco magnífico que figura, sem tretas, numa hipotética lista de melhores álbuns de estreia de sempre.
A poucos dias de sair o quarto trabalho de originais, Romance, estes são uns Fontaines já diferentes da primeira vez que os vimos, em 2019 e à “civil” no Paradiso, em Amesterdão. Em termos de imagem, passaram de ascetas a estetas; parecem agora membros de uma boy band de noventas ou, pelo menos, figurantes de um videoclip que podia ser dos Excesso ou, ainda, de um vídeo de serviço público da época a alertar para os perigos dos então denominados “speeds”.
Este arrojo tem réplica nas novas canções. Death Kink é uma marcha contra relações tóxicas, a amplitude melódica de Grian Chatten alarga-se admiravelmente em Here’s The Thing e a anemia espiritual e a melancolia de In the Modern World tornam-na numa balada e tanto. E o pit? Pits, que havia mais do que um; ambos levantando poeira e pessoas pelo ar e com remadores que mais pareciam querer chegar à República da Irlanda.
A voz de Grian Chatten faz parte do ADN da banda um tanto ou quanto como a de Liam Gallagher fez da identidade dos Oasis, de tal modo que em canções como os mandamentos de boa fé de A Hero’s Death (os versos de “life ain’t always empty” são mais úteis do que muita auto-ajuda que para aí anda) e em Televised Mind ou A Lucid Dream a música torna-se numa melopeia dos dizeres de Chatten. Zero mal, que resultou em cheio e o público estava rendido aos de Dublin que nos relembraram, nessa premonição com acordes chamada Big, que iam ser grandes. Só lhes faltou passarem a Geografia, que, mais uma vez, Paredes de Coura não é no Porto.
Quer queiram, quer não (não querem, consta), os Fontaines D.C. ficaram para sempre ligados a James Joyce quando incluíram o seu nome num dos versos de Boys in the Better Land. Ainda que a banda seja das “certinhas” ao vivo, é uma canção que convida à velocidade e ao movimento na plateia, como se banda e público fossem uns Farrington de Dubliners, piursos por terem perdido um duelo de braço-de-ferro e prontos a despejar a ira no pobre Tom.
Para finalizar, a orelhuda Starburster; a música mais fora da caixa do grupo e um bom motivo para irem buscar os teclados e nós as nossas últimas energias. Perdeu-se a nuance de Dogrel e A Hero’s Death e ganhou-se a extravagância de Romance. De disco em disco, os Fontaines D.C. evoluem impacientemente, como uns Vladimires e Estragons à espera do seu Godot – neste caso, a sua ascensão a banda intemporal.
Depois de um concerto como aquele que deram em Paredes de Coura, só nos resta dizer-lhes: óró, sé do bheatha abhaile.
Alguns minutos após o fim do concerto dos Fontaines D.C., o habitual vídeo de agradecimento por parte da organização, acompanhado por uma chuva de confetti e de All My Friends dos LCD Soundsystem no PA. Sorrisos por todo o recinto, incluindo na zona de imprensa. Para nós o festival tinha acabado em beleza (não acaba sempre?), com despedidas dos amigos e os primeiros balanços em conversa à porta do anfiteatro natural da música que, recorde-se, não é um amor de Verão. É de toda a vida.
Até para o ano, Couraíso.