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O multi-instrumentista Yann Tiersen passou pela capital e esgotou duas vezes o Coliseu dos Recreios no mesmo dia. O músico que assina a banda-sonora de O Fabuloso Destino de Amélie, obra que o catapultou para o conhecimento de um grande público, encarou novamente casa cheia e uma sessão extra pela tarde, também essa esgotada. À semelhança do que aconteceu em 2014, mas no CCB, ambos os concertos esgotaram com bastante facilidade.
Poucos minutos depois das 22 horas, o músico entra em palco, já sob uma chuva de aplausos e acerca-se do piano, que esperava pacientemente. Apenas ele e os instrumentos que o ladeiam estão no palco, envolvidos numa luz ténue. Um piano de cauda, um violino a um canto e dois pianos que parecem “de brincar” na frente do palco, amparados por uma lamparina. Também conseguimos vislumbrar um rádio antigo, numa aura muito cosy e inverniça. Balbuceia um “Cheers!”, dá um gole na bebida e lança-se às canções. No mote desta viagem está o mais recente álbum, EUSA, baseado na ilha de Ushant na Bretanha, local onde o artista reside. Eusa é a palavra para Ushant, no dialecto local. Embrenhado num ambiente intimista, o “mapa musical” é traçado cuidadosamente.
A primeira que nos oferece é “Hent I”, o primeiro tema do álbum que funciona como que um ambiente introdutório para o que se segue. “Pern” já é uma canção mais cheia, sem espaço para silêncios. É uma faixa relativamente apressada, percorrendo as emoções de alto a baixo sem nos dar tempo para as controlar. A mestria de Yann Tiersen ao piano é algo que absorvermos de imediato e é, claro, fortemente ovacionado.
Igualando-se ao alinhamento do disco, o concerto decorre sem grandes conversas e com uma fluidez musical ímpar. Tal como uma visita à ilha, as canções dão as mãos entre si e mostram-nos o percurso. “Hent II” vem acalmar um pouco mas traz consigo os sons do mar agitado. “Porz Goret” é tremendamente melancólica, emana angústia. Notas mais agudas contrastam com a imensidão do mar que se ouve. “Lok Gweltaz” transporta-nos para uma floresta. Ouve-se o som dos pássaros. “Hent III” reúne barulhos não diferenciados, já com mais algum movimento. A contemplação tem um toque mais optimista e gracioso.
Yann não parece ser uma pessoa que tenha necessidade de nos entreter com piadas ou outras considerações. Está ali sozinho a dá-nos precisamente aquilo que esperamos ouvir naquela noite. Não se desdobra em diálogos. Agradece-nos os aplausos, tão somente.
É tempo de explorar os restantes objectos dispostos no palco. Agarra no violino e tem que recomeçar por três vezes. Desculpa-se dizendo que é a primeira vez que passa daquela faixa ao piano directamente para o violino. Ninguém se importa. Provavelmente nem notaríamos o erro. Os dois pianos minúsculos brancos na frente também têm uso, para uma improvisação mais agressiva. No entanto, é no piano de cauda que se deitou o nosso aconchego emocional. Os clássicos não ficaram de fora. “La Dispute” é recebida com olhares de admiração, num misto de alegria e aceitação da dor.
Termina um concerto que teve dois encores, repletos de palmas folgorosas. Do público veio uma reacção entusiasta quase agressiva, contrastante com o ambiente introspectivo que se viveu. O músico, esse, esteve sempre no seu mundo, mas deixou-nos entrar.