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Não é muito comum haver um cabeça-de-cartaz a tocar quando ainda o Sol se está a pôr, mas trinta anos são trinta anos e o dia de campanha courense estava preenchido. E a primeiro cabeça-de-cartaz da noite calharam os Yo La Tengo, banda de Hoboken, Nova Jérsia, que é uma instituição do indie.
Estrearam-se no anfiteatro das margens do Coura em 2000, ano em que pontificaram outros vultos como Mr. Bungle, Flaming Lips ou uns tipos que na altura só tinham um álbum com uma canção cujo videoclip tinha um gajo a andar pela praia e que há uns tempos tomaram Coimbra para si e para um quarto de milhão de pessoas durante uns dias – cremos que se chamam Coldplay. Por cá não passavam desde 2019, quando os vimos num concerto que foi uma sala de estar com umas malhonas pelo meio.
Com mais um álbum no saco, This Stupid World (2023), dele retiraram Sinatra Drive Breakdown (quiçá homenagem ao mais célebre filho de Hoboken) para começar a reunião magna. Canção imediatamente cognoscível como sendo do trio de Hoboken, atira-nos ao fim de poucos minutos para o meio do seu mundo: distorção, solos que são uma exibição do catedrático Kaplan e as vozes deste e de Georgia Hubley entrelaçadas em tandem filigrânico.
Como os Yo La Tengo são uma banda a puxar para o gozão e para o imprevisível, manteve-se o disco mas trocou-se as voltas ao microfone. Georgia Hubley hipnotizou a plateia com a sua voz em Miles Away, numa calmaria geral destruída por Flying Lesson (Hot Chicken #1), esta do tempo em que Coura ainda tinha Boucabaca como cabeças-de-cartaz.
Quem não sabia que estávamos perante um bandão ficou a saber. E também se tornou vítima de sequestro, já que foi a vez de James McNew ir ao microfone arranjar-nos um caso agudo de Stockholm Syndrome.
Depois do excurso por um clássico da banda, retorno a This Stupid World via Fallout. Para uma banda já vetusta (por assim dizer), a energia de Yo La Tengo em palco suplanta a de estúdio e, como tantas vezes sucede, damos por nós a concluir que vai ser difícil voltar à versão de estúdio depois disto.
Algures entre canções, Kaplan solta: “esta canção é mais velha do que vocês”. Para além do soco da prelecção, o humor dos Yo La Tengo continua no mesmo sítio; parafraseando um dos seus álbuns, não têm medo de nós e vão dar-nos nos cornos. Mas também fazer-nos felizes lá pelo meio.
Não somos os primeiros a dizê-lo, nem seremos os últimos: não há apogeu nem “época dourada” da banda de Nova Jérsia. Tudo conta numa história que é um exemplo de longevidade e consistência – quem dera a uns Rolling Stones andarem ao fim de trinta e tal anos (contando-se de 1962 aos anos noventa) a produzir discos como aqueles que Kaplan, Hubley e McNew ainda hoje editam. Não é para quem quer, é para quem (sabe e) pode.
Todavia, mesmo com uma carreira repleta de discaços e canções imensas, há algumas que estão acima das demais. Mal vemos Ira Kaplan a deslocar-se para o órgão deduzimos que era tempo de Autumn Sweater. Canção fundamental e nova aproximação do trio à pop, provoca um friozinho que, apesar de não ser Outono, quase que obriga a uma camisola.
Bem-vinda que foi Ohm, que logo na letra conta uma grande verdade: “sometimes the bad guys come out on top, sometimes the good guys lose”. Interpretação incrível, nenhum vigor tendo sido perdido nos dez anos desde que foi editada em Fade.
Podíamos ter ficado mais umas três horas a ver o trio de Nova Jérsia, mas a actuação tinha de terminar, visto que muito havia ainda para ver naquele palco. De todo o arsenal de trocas de instrumentos e de idas à folk, à pop e ao indie mais condigno já ninguém nos safa, porém.
Pass The Hatchet, I Think I’m Goodkind, canção de término de actuação, foi gigante no meio de tanto monumento; dir-se-ia que foi mais Pass The Hatchet, I Think I’m Godlike. Só uma entidade que ombreia com deuses é que pode aviar cartucho assim. Assim se conquista a intemporalidade.
Kaplan volta a destroçar uma guitarra como Chico Marx (do qual é sósia) destroçava a paciência de Groucho Marx nos filmes dos manos, dando um recital tremendo, coadjuvado por uma Georgia Hubley e um James McNew que, com ar digníssimo, providenciam o fundo para que o produto final dê em dez minutos de porrada sónica. Guitarras em riste e corações ao alto, da elegância à extravagância.
Os Yo La Tengo, uma das melhores bandas de sempre, acabaram de dar a sua oração de sapiência. São humanos? São, mas esta hora e pouco de imortalidade já ninguém lhes tira, que é para isto que se está vivo.