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Periodicamente, o que no caso quer dizer de 9 em 9 anos, o nome de Julie Delpy torna-se inevitavelmente alvo de destaque. O motivo é óbvio: o aberto, aclamado e delicioso romance de Jesse e Celine na saga Before (Sunrise, Sunset, Midnight e quem sabe o que acontecerá daqui a 9 anos).
Contudo, Delpy tem um percurso que vai muito para além desta saga. Obviamente, uma parte do talento é empregue na representação, num currículo que inclui a emblemática trilogia francesa Rouge, Blanc e Bleu, nos anos 90, ou o maravilhoso road-movie Broken Flowers, de Jim Jarmusch, interpretando uma das mulheres da vida de Bill Murray. No entanto, a carreira da cineasta francesa espalha-se por outras áreas, em que curiosamente um dos sinais é precisamente o envolvimento crescente na escrita dos argumentos da trilogia Before.
Assim, por detrás da belíssima actriz, está também uma argumentista e realizadora bem interessante, com um estilo muito próprio, capaz de construir comédias que nunca descambam no registo alarve ou excessivamente simplório e repletas de personagens e deliciosos diálogos.
Tome-se, como exemplo, a sequência 2 Dias em Paris (na foto de cima) e 2 Dias em Nova Iorque. Filmes sobre estadias nestas grandes cidades de dois casais, em ambos os casos constituídos pela francesa Marion (a própria Julie Delpy) e um americano (Adam Goldberg no primeiro, Chris Rock no segundo). Não serão obras extraordinárias (o primeiro será mais estimulante que o segundo, até porque há uma certa repetição na sequela), mas há nos choques culturais, nos preconceitos americanos em relação aos europeus ou nas divergências surrealistas entre os casais uma abordagem e alguns detalhes que não são, de todo, descartáveis
Se procurarmos genialidade, então nada como ver Le Skylab (última foto), uma maravilhosa comédia de costumes. Com o fantasma do satélite que se suspeitava poder colidir com a Terra, Delpy serve-nos uma caótica reunião familiar, marcada pelos choques de gerações, pela acesa discussão ideológica ou pelas feridas da França pós-colonial. E dá-nos um sem fim de momentos e personagens marcantes e extraordinariamente construídas, seja nos miúdos ou nos adultos, com destaque para o perturbado ancião Hubert, interpretado por Albert Delpy, pai e presença habitual nos filmes da filha Julie.
Os exemplos citados mostram então uma cineasta que parte da realidade quotidiana e de meros aspectos mundanos das relações humanas para, com criatividade e sageza, criar universos existencialistas peculiares, com personagens meio desalinhadas, uma certa visão surrealista da sociedade e um humor refinadíssimo. Na abordagem social ou no estilo de comédia, as comparações com Woody Allen são inevitáveis. Quando muito se falou de Scarlett Johansson como a encarnação feminina do realizador americano (principalmente à boleia do hilariante Scoop), não haverá do outro lado do Atlântico uma cineasta que, de uma forma muito discreta, encaixa que nem uma luva nesse imaginário?