//pagead2.googlesyndication.com/pagead/js/adsbygoogle.js
(adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({});
De 12 a 15 de Fevereiro irá realizar-se no Centro Cultural de Olga Cadaval o Córtex – Festival de Curtas-Metragens de Sintra. A abertura desta 5ª edição é, este ano, dedicada ao peculiar Lars von Trier, com exibição de dois filmes Nocturne (1980) e Befrielsesbilleder (1982). À luz de ambos os filmes terem sido realizados enquanto ainda aluno da National Film School of Denmark, vemos também a adição do segmento Hemisfério que contará com 5 curtas-metragens de alunos da prestigiada escola de cinema. Para além disso, vê-se ainda incluída a palestra The Making of Lars von Trier, por Peter Schepelern, autor da biografia do controverso realizador dinamarquês.
Córtex permitirá uma análise da génese da realização temperamental de Lars von Trier. Começando por Nocturne (1980), torna-se uma óptima escolha para começar essa jornada, pelo que vemos imediatamente um dos elementos comuns a várias das suas obras. A curta-metragem experimental, centrada numa mullher aterrorizada pela luz do sol, invade-nos com a atmosfera fria e obscura que apresenta, pressentimento que permanece mesmo após os 8 minutos. Vários críticos apontam o papel da mulher como elemento central dos filmes de Lars von Trier, Peter Schepelern propõe em From Dreyer to von Trier um génio comum entre os dois realizadores, Carl Dreyer e von Trier, que se elevam ao filme conceptual, geralmente ligando-se a temáticas obscuras, como sofrimento e tortura feminina. Em filmes anteriores, Orchidégartneren (1978) e Menthe – la bienheureuse (1979, na imagem), podemos ver uma base ainda mais amadora de von Trier e pistas visuais que apontam claramente para La passion de Jeanne d’Arc (1928) de Carl Theodor Dreyer.
Como trabalho de final de curso na National Film School of Denmark, von Trier libertou Befrielsesbilleder (1982), um filme onde são notáveis influências de Bertolucci e Tarkovsky, que são duas influências também admitidas pelo realizador. Centrado num agente alemão que, durante a II Guerra Mundial, visita a amante dinamarquesa após a ocupação ter terminado na Dinamarca, foi o primeiro da escola de cinema a ser distribuído e apurado para visionamento no 34th Berlin International Film Festival.
Em 1995, Lars von Trier foi galardoado com o Carl Th. Dreyer Prize, no centésimo aniversário do cinema, no ano que criou um movimento cinematográfico com Thomas Vinterberg. Dogme 95 baseia-se em conceitos avant-garde, recreando valores tradicionais de argumento e história e excluindo o uso de efeitos especiais elaborados. O movimento obedece a várias regras descritas no manifesto escrito pelos dois realizadores e após a sua criação Vingerberg libertou os primeiros filmes do movimento, tendo von Trier contribuído mais tarde com Idioterne (1998). Outros realizadores não dinamarqueses juntaram-se posteriormente.
Medea (1988) foi o único filme realizado por von Trier com argumento não original ou co-escrito, neste caso originalmente de Carl Th. Dreyer, enaltecendo mais uma vez a influência deste realizador no reportório de von Trier. O reportório mais maduro – e talvez mais Hollywoodesco – de von Trier é mais usual e reconhecido, mas mantém novamente a mulher no papel central, em filmes pertencentes à chamada trilogia Goldheart, Breaking the Waves (1996) e Dancer in the Dark (2000), desta vez inocentes martirizadas. Após Breaking the Waves, von Trier comentou “Sinto que Jeanne d’Arc e Gertrud foram importantes em relação a Breaking the Waves. Os filmes de Dreyer são académicos, claro, mais puros. O que é novo para mim é ter a mulher no centro da história. Todos os filmes de Dreyer têm uma protagonista feminina e a sofrer, para iniciar”. Em Dancer in the Dark, vemos as proximidades de um cinema mais mainstream, mas o estilo criado por von Trier e Vinterberg é claramente vincado, com uma cinematografia intensa e crua, sem edição tecnológica e câmara de mão, maioritariamente. Os momentos musicais do filme entram também em total coerência com os aspectos técnicos preferidos do realizador. Selma, magistralmente interpretanda por Bjӧrk, encaixa-se no perfil já construído pelo realizador em filmes anteriores: uma personagem inocente, simples, altruísta que inevitavelmente irá sucumbir à realidade dura da vida.
No entanto, em Dogville (2003) vemos uma mudança o desenvolvimento da protagonista feminina, também interpretado por uma presença forte como Nicole Kidman, que se vê inicialmente compactuante com o sofrimento, no entanto, degenera numa personagem em busca de vingança. A valer-lhe pela corrente sistemática de temas como misericódia e ética nos seus filmes, em 2004, após Dogville, Lars von Trier recebe um prémio da UNICEF, Cinema for Peace Award.
Continuando na evolução do papel da mulher nos filmes de von Trier, Dogville aponta para uma seguinte longa-metragem do realizador Antichrist (2009), desta vez com a noção da mulher como um ser inatamente mau. Neste filme, temos por outro lado a protagonista a causar sofrimento ao co-protagonista masculino, que se vê obrigado a tomar uma acção de auto-defesa. A protagonista morre, novamente, não poupando mais uma vez os sentimentos do espectador. Mas desta vez, quase compactuamos com o evento, porque nos é mostrada uma mulher corrosiva e ruim. Antichrist teve uma criítica polarizada, aclamado por alguns críticos, por outros, considerado violência provocativa desnecessária. No entanto, é algo com que sempre se deparou, independentemente da violência ser gráfica – que é bastante explorada neste filme, valendo-lhe a classificação para maiores de 18 – Lars von Trier explorou sempre também a provocação emocional, sendo esta conseguida através de sexo, dor, aborrecimento ou Deus.
A sua oposição à autoridade intelectual tem sido bem demonstrada pelo mediatismo causado em Cannes, tendo-lhe restado uma declaração como “Persona non Grata” por em 2011, após o visionamento de Melancholia (2011), von Trier afirmar compreender Hitler e brincar sobre ser Nazi. Algum tempo depois, devido à grande controvérsia, Lars declarou abster-se a partir daí de futuras declarações públicas, evitando escândalos indesejados. Melancholia destaca-se dos filmes anteriores, principalmente pela realização mais amigável ao observador comum. O filme retrata a relação e reacção de Justine e Claire, interpretadas por Kirsten Dunst e Charlotte Gainsbourg, respectivamente, quando descobrem que um planeta poderá colidir com a terra. A palavra melancolia terá sido o título mais adequado ao filme. Temos aqui duas personagens femininas complexas, sendo que a personagem mais depressiva e desencaixada da realidade consegue, no entanto, resurgir e contrastar com o mundo à volta. Melancholia precisa de atenção e análise, deixa o expectador desprevenido com a conclusão a que chega – não ficamos nem felizes nem contentes com o fim do mundo, ficamos vazios. Mantendo mais uma vez a inocência e atmosfera do carácter feminino no filme.
Em contraste a Dreyer, von Trier tem tido reconhecimento, mediatismo e suporte durante toda a sua carreira. Sobre as suas opções de escolher na generalidade mulheres como protagonistas Lars von Trier comenta “Os meus filmes são sobre ideais em conflito com o mundo. Sempre que está um homem na liderança, esquecem-se dos ideais. Sempre que está uma mulher na liderança, estas retiram todos os ideais.” Lars von Trier é inovador, complexo, intrigante e peculiar.
A Arte-Factos é uma revista online fundada em Abril de 2010 por um grupo de jovens interessados em cultura. (Ver mais artigos)