13 Reasons Why

por João Pedro em 30 Abril, 2017

13 Reasons Why não precisou de elaboradas campanhas de marketing para tornar-se um êxito instantâneo. O velho e tradicional passa-palavra bastou para que a nova série produzida pela Netflix quebrasse vários recordes, tornando-se na série mais falada de sempre no Twitter na primeira semana, com mais 3,5 milhões de referências. Afinal, o que tem esta série de especial, que ao mesmo tempo que atinge o estatuto de sucesso televisivo viral é objecto de acesas polémicas, sendo acusada de romantizar e até incentivar o suicídio?

A série é uma adaptação do livro de 2007 Thirteen Reasons Why de Jay Asher (editado entre nós pela Editorial Presença em 2009 com o título Por Treze Razões). O livro faz parte daquilo a que actualmente se convencionou chamar ficção para jovens adultos e a sua adaptação ao cinema esteve prestes a avançar em 2009, com Selena Gomez, então estrela do Disney Channel, no papel central. No entanto, foi preciso esperar até 2016 para que o projecto voltasse a mexer, agora com Selena Gomez no cargo de co-produtora e no formato de série com 13 episódios.

O conceito de 13 Reasons Why, que dá à série o seu peso dramático e o seu magnetismo, é fácil de explicar. Numa típica escola secundária norte-americana, uma aluna chamada Hannah Baker suicida-se, deixando às pessoas que ela considera responsáveis pelo seu acto uma colecção de 13 cassetes em que explica os motivos que a levaram a terminar com a vida. Cada cassete é dedicada a uma pessoa específica, que no fim de ouvir toda a colecção deve transmiti-la ao responsável seguinte, num jogo macabro em que todos são culpados e não há vencedores.

A série acompanha Clay, um colega de Hannah Baker, que desde logo é apresentado como partilhando uma relação especial com a personagem principal. Clay recebe as cassetes e é através da sua perspectiva que os espectadores vão conhecendo a história trágica de Hannah Baker. Ao contrário do livro, em que Clay devora as 13 cassetes numa única noite, na série a personagem demora vários dias até chegar ao fim da fita. Esta é apenas uma das diferenças introduzidas pela adaptação televisiva, já que foi preciso transformar um livro, que na edição paperback tem 304 páginas, numa sucessão de 13 episódios em que cada parte tem quase uma hora de duração. Nesse aspecto, a série expande substancialmente o conteúdo original, embora a maior parte das alterações preserve o espírito do enredo.

Outra grande diferença é que, enquanto o livro se debruça apenas sobre a história contada por Hannah Baker ao longo das cassetes, na série há duas linhas temporais distintas: por um lado os flashbacks evocados por Hannah, com um filtro que realça os tons quentes, e por outro o tempo presente, marcado por tons frios, em que Clay e os colegas, professores e pais de Hannah tentam lidar com o suicídio e as suas dramáticas consequências. A forma fluida como se dão as transições entre estas duas linhas cronológicas é particularmente bem-sucedida e dá à série uma identidade muito própria.

Sendo produzida e disponibilizada pela Netflix, com todos os episódios disponíveis via streaming, a série oferece aos espectadores a mesma escolha que é dada a Clay, ou seja acompanhar a série ao longo de vários dias ou vê-la toda de uma vez, naquilo que é chamado binge watching. E não é fácil largar 13 Reasons Why. Com tantos mistérios a rodear Hannah e as personagens que se cruzam nos seus últimos meses de vida e que podem, de uma maneira ou de outra, ter contribuído para o desfecho fatal, a ânsia de ver só mais um episódio é quase irresistível.

Como qualquer história passada num liceu norte-americano, há códigos e temas próprios que são evocados e é fácil encontrar, nos temas da série e até em certas sequências, ecos de séries como Freaks and Geeks (2000) e filmes como The Perks of Being a Wallflower (2012). Para além da eterna luta entre jocks e geeks, são focados assuntos que marcam qualquer adolescência, como a introversão, o bullying, a sexualidade e o consumo de álcool e drogas. No entanto, 13 Reasons Why aborda estes temas de forma talvez mais crua e realista — o que é evidenciado, por exemplo, pela quantidade de palavrões proferidos, mesmo em contexto escolar —, e por vezes até brutal. E assim, de revelação em revelação, a tensão vai dando lugar ao desconforto, à medida que o mistério de Hannah se desenrola lentamente em direcção à tragédia anunciada.

Naturalmente, não basta um bom conceito para criar um fenómeno televisivo. O sucesso de 13 Reasons Why também se justifica por outros factores. Com um elenco jovem e praticamente desconhecido, mas bastante consistente, no qual se destaca claramente Dylan Minnette no papel de Clay, o único defeito que se pode apontar é o facto de a diversidade de Liberty High ser tão equilibrada que parece forçada por uma qualquer imposição politicamente correcta (só falta um descendente de índios americanos para fazer o bingo étnico). Destaque ainda para a banda sonora que, se não resiste ao cliché de “Love Will Tear Us Apart” logo no primeiro episódio, consegue compensar com temas bem lembrados de The Kills, St. Vincent, Sleigh Bells, Washed Out ou Elliott Smith. A música está aliás presente de outras formas, já que há posters de bandas como Arcade Fire, Joy Division e The Cure espalhados pelas paredes dos quartos de várias personagens. Esta atenção ao detalhe está presente ao longo de toda a série e ajuda a menorizar algumas falhas e inconsistências.

Se 13 Reasons Why romantiza o suicídio, é uma pergunta difícil de responder, já que a série é suficientemente ambígua para permitir várias interpretações e deixar certas questões em aberto. Para além da conduta por vezes errática de Hannah, há pequenas diferenças, por vezes quase imperceptíveis, entre as memórias das diferentes personagens, que tornam difícil uma interpretação simples e linear. Seja como for, 13 Reasons Why provoca discussão, e só isso já é positivo. O que é realmente lamentável é que a série, no seu desfecho, abra a porta a uma segunda temporada, que parece mais uma tentativa de rentabilizar o previsível sucesso do que de responder às interrogações que ficaram depois de ouvidas as 13 cassetes.


sobre o autor

João Pedro

Dissidente e subversivo por natureza. É benfiquista militante. Já desistiu de mudar o mundo e agora só tenta que o mundo não o mude a ele. (Ver mais artigos)

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