aka Wyatt Cenac: um super-herói contra a gentrificação

por Isabel Leirós em 22 Outubro, 2017 © topic.com

Wyatt Cenac fez parte do elenco do programa de Jon Stewart, Daily Show, o que lhe valeu o reconhecimento internacional. Chegamos a 2017 e Wyatt escreve e protagoniza aka Wyatt Cenac, uma web series de 6 episódios com cerca de 10 minutos cada, disponível na plataforma topic.com. Mais curiosidades? A série é uma produção da First Look Media, empresa de Glenn Greenwald – jornalista de investigação, e Pierre Omidyar – fundador do eBay. Um projecto tão alternativo, mas tão alternativo, que ainda nem chegou ao IMDb à data deste artigo.

Wyatt é Viceroy, um super-herói que traja fato-de-treino para combater criminosos de toda a espécie, de pequenos ladrões a serial killers, que aterrorizam Brooklyn. Como é óbvio, tem uma sidekick (a Penny, dona de uma food truck) e um mentor que, afinal, já foi em tempos o próprio Viceroy. Este é o motivo pelo qual o acompanhamos, mas não é o foco da série: Cenac deixa para os universos DC e Marvel o desenvolvimento das personagens que equilibram o bem e o mal com fogo de artifício.

Em cada um dos seis episódios, Wyatt lança um olhar crítico sobre o seu próprio bairro, que na última década passou por uma transformação impressionante, deixando de ser um canto caseirinho para habitar em Nova Iorque, para se transformar no destino dos yuppies endinheirados, filhos do white privilege. Enfim, a chamada gentrificação.

Habituados a ouvir falar desta vaga como uma afronta, uma invasão e apropriação, logo no primeiro episódio percebemos que a culpa é de todos, até do próprio Wyatt que aceitou o encerramento de uma oficina para a abertura de um bar da moda no seu lugar. E só quando nova mudança se impôs, uma que já não é do seu agrado, é que decidiu incomodar-se com isso. Os negócios hipsters estão a dar cabo da sua Brooklyn, e um negócio dedicado a mostarda torna-se o arqui-inimigo de Viceroy durante os restantes episódios.

We live in a world where we could have a black president. Why can’t we have a black vigilante?

O segundo episódio é o mais poderoso de todos. Quando detém criminosos negros que o assumem como um polícia branco e racista, Vicerou afirma “simply assuming I’m a white dude just reinforces the culturally damaging notion that white must always be the default“. Wyatt quer que a justiça seja mais do que uma hashtag e que seja efectivamente cega, sem olhar a cor, raça ou classe social.

aka Wyatt Cenac é sobretudo uma viagem de auto-descoberta. A personagem compreende cada vez mais o papel da tolerância e da paciência na construção de um resiliente super-herói, use este uma máscara ou seja um cidadão comum no seu quotidiano. E percebe até que, por vezes, o bem simplesmente não compensa.

Depois de entregar à polícia uma rede de tráfico de droga, não há qualquer tipo de agradecimento ou reconhecimento pela imprensa, que se entretém a destacar apenas as estrelas pop dos milicianos. O único jornal que noticia a sua apreensão, apenas o faz com um ingrato “estragaste a diversão, parabéns”.

No humor de Cenac, a consciência social tem sempre uma forte presença. Afinal, se não usarmos a nossa exposição para criar algo de bom, de que vale a visibilidade pública? Viceroy faz parte de um universo de super-heróis locais, cada um com o seu território no tecido nova-iorquino, cada um com suas ambições e maior ou menor descrição. Todos acabam por fazer o trabalho da NYPD, que demora sempre na chamada para deter os criminosos. E não será esta a crítica de fundo da série?

aka Wyatt Cenac está disponível gratuitamente e na íntegra em www.topic.com/aka-wyatt-cenac.


sobre o autor

Isabel Leirós

"Oh, there is thunder in our hearts" (Ver mais artigos)

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