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Depois de Narcos e House of Cards, chega-nos Making a Murderer, uma série da Netflix, estilo documentário, sobre os casos jurídicos que levaram à prisão de Steven Avery – e que suscitou, entretanto, reacções de cerca de 300.000 pessoas, e uma declaração da Casa Branca. Como tem sido política da distribuidora americana, todos os 10 episódios já estão disponíveis e é possível vê-los em regime de binge-watching – isto é, tudo de uma assentada.
À semelhança do que aconteceu com The Jinx: The Life and Deaths of Robert Durst (da HBO), não me alongo (muito) sobre os pormenores da história; muito do impacto de Making a Murderer vem, precisamente, de pouco ou nada sabermos sobre o que realmente aconteceu naquela altura. O que faço, é analisar mais a fundo o que realmente esta série traz de novo, as suas implicações, e, mais subjectivamente, a sua qualidade. Se ainda não a viram – e, mais importante, se querem vê-la sem qualquer ideia do que vai acontecer -, não leiam mais a partir daqui. De qualquer forma, não entro em grandes detalhes.
A série foi escrita e produzida por duas jornalistas, Laura Ricciardi e Moira Demos, num formato que recupera gravações em áudio e vídeo desde 1985 a 2010. A pouco e pouco, e com as várias intervenções das pessoas visadas nos casos judiciais, constrói-se a história de Steven Avery, um cidadão do condado de Manitowoc que, depois de alguns problemas com a justiça (entre os quais, um roubo a um bar e crueldade animal), é erroneamente acusado de ter violado uma mulher, e passa 18 anos na prisão. Segue-se a exposição de uma convoluta história entre a polícia de Manitowoc e as provas que levaram Avery a ser declarado culpado; mais tarde, em circunstâncias pouco claras, surgem novas provas que o ilibam do caso, e, assim, é-lhe restituída a liberdade, e faz-se justiça. Tudo isto acontece nos dois primeiros episódios. Os oito restantes dedicam-se a uma segunda fase da sua vida, novamente acusado pelo estado de Manitowoc, onde, mais uma vez, Avery alega a sua inocência. Desta vez, é-lhe atribuída a responsabilidade do desaparecimento, e posterior homicídio, de Teresa Halbach.
Posto isto, Making a Murderer é uma interessante escolha semântica para o título da série, que joga com duas possibilidades: por um lado, admite que Avery seja culpado, e atribui a sua hipotética perversão ao estado de Manitowoc pela tortura mental dos 18 anos no cárcere; por outro, subentende que a polícia do estado terá fabricado um caso para o prender, e, assim, retirar-lhe a choruda indemnização que lhe era devida pela erróneo julgamento da violação. Levanta-se, no entanto, um outro problema: é Making a Murderer realmente isento no relato dos acontecimentos?
No fundo, repetem-se os problemas que expusemos, há quase um ano, com The Jinx: o documentário acusa uma certa tendência para favorecer a história de Avery, e fá-lo através da omissão de certa informação, e, num campo mais técnico de cinema, no abuso do poder da edição. Em The Jinx, o último episódio ficou marcado por claras incongruências na linha temporal da história; aqui, há algumas cenas no tribunal que foram editadas por forma a justapor certas reacções com a exibição de provas determinantes. Não é grave, mas o acumular destes pequenos pormenores retira alguma credibilidade ao documentário, e contribui para o sensacionalismo que implicitamente critica.
Isto, porque além da dramática história de prisão de Steven Avery, as jornalistas captam mais uma série de momentos e ideias que completam, por assim dizer, o quadro da vida em Manitowoc e, por extensão, da própria América. Os Avery são gente pobre e de pouquíssima educação, sem uma grande compreensão dos processos judiciais nem meios para inverter essa situação. “The poor always lose”, diz Steven, a dada altura, e nós anuímos, relutantemente. E como se não bastasse, temos ainda o evidente abuso dos media num relato jornalística e eticamente condenável, e o seu papel na formação de opinião de um país. Poder-se-á dizer que Avery foi julgado sem o direito à presunção de inocência. E acredite-se, ou não, na sua versão dos factos, fica para a posteridade a denúncia dos comportamentos muito duvidosos, alguns a roçar a corrupção, da polícia responsável pelo caso.
Nos últimos tempos, séries como Serial (exclusivo em podcast) e The Jinx têm recuperado uma tradição de true crime documentary que teve os seus pontos áureos com The Staircase, ou mesmo a antiga The Thin Blue Line. Ignorando todas as possíveis falhas que lhes atribuamos – nomeadamente, que colocam ao público uma versão normalmente adulterada dos factos, contribuindo para a desinformação, e, por consequência, para o mesmo problema que pretendem criticar -, têm levantado várias questões sobre a fiabilidade do actual sistema judicial e de possíveis casos de corrupção na justiça. Fazem-no, claro, de uma forma acessível e interessante, mas nunca nos esqueçamos que são histórias reais e vividas. Só assim, com esta pequena barreira quebrada, é que Making a Murderer proporciona algo mais que entretenimento. Será um dos marcos deste 2016, em mais uma produção Netflix.
Interesso-me por muitas coisas. Estudo matemática, faço rádio, leio e vou escrevendo sobre fascínios. E assim o tempo passa. (Ver mais artigos)