The Get Down

por Jose Santiago em 24 Janeiro, 2017 © Hip Hop Golden Age

No artigo referente aos melhores do ano, mencionei The Get Down como a minha série favorita de 2016. Essa escolha deveu-se, em grande parte, pela originalidade e a leveza com que a história é contada. Há uma enorme tendência para menosprezar produtos televisivos que não apresentam um plano mestre, que não deixam mistério a cada episódio e que não deixam o espectador a conjecturar eventuais conclusões. É preciso recordar que entretenimento, às vezes, é só isso. Se desse entretenimento retirarmos mais alguma coisa, melhor um pouco.

The Get Down pode ser entendida como muitas coisas, mas a base é apenas uma: um rapaz de origens humildes quer ser mais do que esperam dele. Se seguirmos esta premissa já estamos mais do que orientados para esta série original da Netflix. A isto podemos juntar uma crónica sobre o final dos anos 1970 em Nova Iorque, sobre o nascimento do Hip-Hop e como os movimentos artísticos da época moldaram a evolução de um dos géneros musicais mais populares da actualidade. Baz Luhrmann é conhecido como um realizador extravagante, com uma visão estética absolutamente demarcada dos seus pares e, por isso mesmo, polarizante em todas as obras que trouxe ao grande ecrã. Aqui, enquanto criador da série, continuamos a sentir essa marca, desta vez vincada pelo que penso ser uma maturidade tardia. Para trás ficou o ego de quem queria sempre mais ruído, mais cor, mais de tudo e chega-nos a visão de quem percebeu que a estética deve servir a história.

Ao seguir o percurso das personagens aqui apresentadas somos, a espaços, brindados com números musicais reais que deixam outras séries completamente envergonhadas. Sim, estou a falar de Empire. Tudo tem uma qualidade bastante orgânica e nota-se o tempo investido em todas as letras de canções ou poemas apresentados, especialmente pela personagem principal. São momento que não quebram a narrativa e que chegam mesmo a intensificá-la. Outro aspecto que aparece sem qualquer tipo de esforço é a qualidade pedagógica. Sem dar por isso, somos apresentados a um contexto social e à construção, ou desconstrução, de elementos artísticos que por vezes tomamos como garantidos mas que ganham maior força com maior entendimento. Mas apesar de todas estas considerações é, acima de tudo, uma série extremamente divertida que inadvertidamente nos atira pedaços de sabedoria ingénua. É despretensiosa o suficiente para brincar com a estética e é séria que chegue para ser levada a sério.

Seria injusto não falar das interpretações que são, em grande parte, de talentos desconhecidos mas dos quais espero ver muito mais, em especial o actor principal. Justice Smith confere uma urgência tão grande à personagem que, desde o primeiro episódio, sentimos o poder da luta que está a travar. Não é, de todo, alguém com que nos podemos identificar e alguma das escolhas são, no mínimo, reprováveis, mas há um plano humano que é comum a todos e é nesse plano que toda a interpretação vai buscar a força. Outro jovem actor, que merece destaque é Shameik Moore, aqui conhecido por Shaolin Fantastic e que vai ser o nosso guia ao longo desta viagem. Umas vezes recheado de energia e com uma presença contagiante, outras com uma calma e ponderação demasiado pesadas para uma balança doméstica. O restante elenco é sólido, há personagens irritantes, mas acho que tem sempre de haver. É sempre um prazer encontrar Jimmy Smits ou Giancarlo Esposito em qualquer projecto.

Estaria a mentir se dissesse que The Get Down não está a desbravar novo terreno. Apresenta-nos uma linguagem verdadeiramente original na forma como conta a história e não se deixa enredar no seu virtuosismo, apresenta-o como um meio para atingir um fim bem definido e resulta na perfeição.

 


sobre o autor

Jose Santiago

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